23ª Paragem 2017: Que saudades que eu tinha da "minha" Serra D'Arga!

Grande Trail Serra D'Arga

Tempo: 06:51:11
Distância: 51.93kms
Classificação Geral: 57º Classificado
Classificação Escalão: 28º SenM


Foto da prova: Mais uma enorme captura do Miro, muito obrigado!
Que saudades que eu tinha desta Serra! Começo a considerar aqueles trilhos como o meu retiro espiritual, o local onde vou renovando a minha paixão pelo trail, onde vou puxando mais e mais pelo corpo, onde teimo em voltar independentemente do empeno com que saio... Começou em 2015 esta paixão: pela primeira vez percorria o quase quilómetro vertical brilhantemente desenhado pelo Carlos Sá participando logo no dia seguinte nos trilhos duríssimos de uma serra que só de ver mete respeito, mas quando lá estamos, o respeito transforma-se aos poucos em diversão e em menos de nada estamos a contemplar com uma satisfação enorme tudo aquilo que já percorremos! Em 2016 tinha que voltar... A reunião familiar da equipa que tínhamos feito em 2015 tinha deixado marcas em todo o Caracol Trail Team e regressámos para mais uma enorme festa do trail. Para ajudar a este clima, consegui aliar a imponência da serra com os resultados desportivos obtendo um segundo lugar da classificação geral! Em 2017 tinha novamente que voltar... Apesar da equipa ter optado por ficar cá por baixo já tinha decidido que ia nem que fosse sozinho! Mas não fui, comigo foram duas das pessoas que mais prezo em ter como amigos e no final de contas, tendo em consideração tudo o que se tinha passado ao longo das últimas três semanas antes da prova, o objetivo tinha deixado de ser o rendimento para ser a pura diversão!


Começando pelo princípio, a viagem para cima... Que filme! Desde a minha saída de Lisboa que estava planeada para as 15h30min e que acabou por ser às 17h que tudo se foi desmoronando... Começou pelo simples fazer a mala à pressa e seguir imediatamente viagem. Quando chegámos a Coimbra para jantar descobrimos que a bomba para os colchões onde íamos dormir tinha ficado em Torres Novas, comprámos uma nova e voltámos a seguir para cima. Mesmo quando estávamos a chegar ao Porto lembrei-me repentinamente que não tinha trazido as sapatilhas... Tinha três opções, ou voltava para trás a viagem toda, o que não era viável de maneira nenhuma, ou comprava umas sapatilhas novas para fazer a prova, o que não era viável a nível económico e provavelmente desportivo, ou seguia com eles e não fazia a prova, o que era viável economicamente mas nada viável a nível desportivo... Decidi arriscar, parámos no NorteShopping e fui procurar as sapatilhas que estivessem em promoção! Escolhi umas New Balance por me parecerem as que tinham maior conforto, esquecendo um bocado as características técnicas... Quando ia pagar vi que não tinha o Cartão Multibanco para pagar! Foi pedir dinheiro emprestado, pagar, anular o cartão que me lembrei ter ficado numa máquina em Coimbra e voltar a seguir viagem para Dem. Com estes filmes todos já era meia noite quando chegámos ao campo de futebol que costuma servir de estacionamento... Escolhemos um canto onde montar a tenda, meia hora bastou para ter tudo montado e tentar dormir.

O dia começou ligeiramente mais cedo do que a hora planeada para acordar... Foi levantar, tomar o pequeno almoço, ir levantar o dorsal e equipar! Quando demos por nós já estávamos apenas a 10min do começo e seguimos para a Linha de Partida onde o Joca já estava a animar a malta e posteriormente o Carlos Sá ia deixando as últimas palavras! Fui recebendo alguns cumprimentos de pessoal que estava na linha de partida (muito obrigado a todos) e consegui ainda ser o 181º a passar na partida. Este ano o Carlos decidiu cortar a habitual volta em Dem, e não me pareceu nada mal, embora só passemos uma vez naquela zona, acabamos por ir diretamente para o local onde a maior parte de nós quer vir, a imponente Serra D'Arga. 

Saída de Dem
Aquela primeira subida é qualquer coisa de extraordinário... Aproveitei que tinha começado atrás e apertei um bocadinho, sabia que a forma não era a melhor (foram 3 semanas a descansar pouco e a treinar com muito pouca regularidade e nenhuma intensidade e só as 24H de Portugal me permitiram meter algum ritmo nas pernas), mas queria aproveitar para pelo menos fazer as subidas em condições para poder treinar e para poder desfrutar daqueles trilhos! O início já com alguma inclinação mas que gradualmente se vai tornando muito inclinada (o último quilómetro sobe 210mts) fez com que a subida parecesse interminável e só com 26' ultrapassei os primeiros 3 quilómetros de prova...

Final da primeira subida

Apesar de tudo as sensações eram relativamente boas... Optei por não arriscar nas descidas, isso sim, seria a minha morte prematura e o pessoal ia passando! A descida apesar de não ser muito técnica, desenrolando-se em zonas de pedra larga, exigia atenção para onde meter os pés e com um passo controlado lá cheguei ao primeiro abasteimento em Arga de S. João. 

Descida para o primeiro abastecimento

Como o tempo estava propício para a prática do trail, com boa temperatura e pouco vento acabei por não beber nada até este abastecimento, tendo seguido logo para a próxima fase da prova e, como não podia deixar de ser, tínhamos nova subida! Esta subida era ligeiramente diferente da anterior, tinha alguns "patamares", alternando zonas com alguma inclinação com zonas a direito ou ligeiramente a descer... Aproveitei esta subida para voltar a ganhar alguns lugares, as sensações continuavam a não ser más e já que assim era, aproveitava as subidas para ver o que conseguia fazer! Lugar a lugar, ia chegando mais à frente e depois disso, nova descida para a Arte da Leira... Fui novamente ultrapassado por alguns atletas e foi exatamente nesta descida que comecei a perceber que as pernas não me iam dar grande descanso! Cheguei ao abastecimento, a azáfama era grande, toda a gente queria sair dali rápido (a Sara Brito passou por mim nesta altura) e eu aproveitei o tempo para falar primeiro com o Tomás Estevães (obrigado pelo apoio) e depois com o Guilherme Lourenço, que também estava a fazer a prova... Fui-lhe dizendo que aquela não ia de todo ser a minha prova mas que ia tentar desfrutar ao máximo! E foi mesmo isso que fiz... Após uma paragem algo prolongada no abastecimento, voltei a seguir para a prova e voltei a meter um ritmo relativamente forte para as sensações que começava a sentir. 

Chegada ao segundo abastecimento

Apanhei a Sara e um grupo que ia logo à frente, passámos por uma zona de eira de água e continuámos a subir até que quando estava a começar a cair o ritmo da subida, passa por mim o Guilherme que tinha saído mais tarde do abastecimento... Ele disse para eu ir e acabei por aproveitar a "boleia" nos quilómetros que se seguiram! Fizemos o resto da subida a conversar e a correr e na descida para o Cerquido, o Guilherme voltou a fugir, até porque parei para uma "pitbox" e nessa paragem passa por mim um grande grupo de atletas que vou tentando manter em linha de vista quando volto a arrancar. Foi assim que cheguei ao terceiro abastecimento, aos 24kms, quase a meio da prova... As sensações negativas continuavam a acentuar-se mas naquela altura comecei a acompanhar com o Guilherme (que estava no abastecimento) uma luta que não costumo acompanhar, a luta para a primeira mulher que ia apurar para o Campeonato do Mundo! A Sara sai muito rápido do abastecimento e a Fernande Verde chega logo a seguir, parando pouco tempo e arrancando também. Eu e o Guilherme acabamos por sair logo atrás e fazemos o resto da descida em conjunto... Percebi que a descida era diferente de antigamente! Se antes pegávamos já a meio da subida, desta vez fomos mesmo quase até lá abaixo, até ao final do 1º km da prova de km vertical e fizemos a cortada à direita que nos metia no trilho em direção à Senhora do Minho. Pela experiência das minhas duas provas naquela subida sabia que teria 3kms com cerca de 600mts de D+... O Guilherme meteu um ritmo infernal! De início ainda fui com ele mas depois acabei por ficar para trás! Ainda assim, queria tentar fazer uma boa subida, quanto mais não fosse, dava para um treino de rampas, no mínimo, interessante... Fiz a primeira fase, mais inclinada, toda a passo mas a um passo forte, apanhando logo o grupo da Fernanda Verde e passando de seguida! Depois fazemos a pequena descida e aí sim, começou a subida a sério... Comecei essa fase já a correr, passei logo a Sara Brito e depois tentei meter um ritmo de 1' a correr e 2' a andar rápido! Consegui completar esse circuito 3x mas depois apanhei um troço a correr mesmo muito inclinado e passou a ser consoante o que o terreno permitia... Ainda assim passei mesmo muita gente nesta fase da prova e as sensações a subir eram bastante melhores que o resto da prova.

Assim que cheguei ao topo aproveitei para encher os flasks que tinham ficado vazios ao longo da subida e arranquei para a zona mais plana da prova, o planalto da Senhora do Minho... Não sei onde estava o rapaz da marreta, mas ele andava por ali, garantidamente! Na zona plana ainda consegui correr, ainda que bastante lento, mas corria... Assim que o terreno ficou com inclinação negativa, as pernas recusavam-se a cooperar e eram mais os troços que fazia a andar do que a correr! Ao longo da descida todos os atletas que tinha passado no km vertical estavam agora a passar por mim e só me restava desejar-lhes boa prova... 

Se não me engano, esta é a descida para a montaria

Já depois de metade da descida passa por mim a Sara Brito e pouco depois a Fernanda Verde, a luta continuava acesa. Já a chegar à reta que nos levava ao abastecimento em Montaria oiço uma voz conhecida... O Hugo Água estava a fazer o acompanhamento por voz da prova (mais uma vez, muito obrigado pelo apoio) e depois das 24H de Portugal, já vê os caracóis bem ao longe. Aproveitei para comer qualquer coisa, para ver se o empeno diminuía e comecei a pensar que depois daquela descida o Crispim não devia demorar! Aproveitei para meter conversa com o Diogo Fernandes e com o Paulo Carvalho que estavam sentados no chão e como tinha previsto, chega o Crispim ao abastecimento... Perguntei-lhe como estava, ele disse que o calcanhar não lhe estava a dar grande descanso e disse-lhe para irmos juntos. Ele concordou e após uma ligeira paragem também para abastecer, seguimos para os últimos 20kms da prova.

A primeira fase após o abastecimento é bastante acessível para quem tiver pernas (tantas vezes me recordei dos ritmos que tinha conseguido impor no ano anterior)... Saída da aldeia por asfalto e depois empedrado, entramos num trilho acessível e seguimos assim até entrar na zona da água. Esta zona da ribeira é para mim a parte mais técnica do percurso! Subir encostas, descer encostas, atravessar o ribeiro para a outra margem, saltar pelas raízes, tudo é exigente, principalmente para quem já vem em nítida quebra... Foi também aqui que senti mais a falta das minhas sapatilhas, o rasto das novas não era muito agressivo e escorregava em qualquer pedra que tivesse água... Este foi um dos trilhos em que o Crispim mais esperou por mim, mesmo tentando acelerar o passo para o apanhar, uma escorregadela ou um elevar demais da perna faziam abrandar as intenções. 

Parece de propósito mas não foi... A única altura em que passei à frente do Crispim na zona do rio, foi na zona da foto!

De seguida entra a fase mais difícil do percurso, escalar por um monte de pedras, relativamente pequeno mas que exigia um movimento muito amplo de pernas... Os ameaços de caimbras eram cada vez mais fortes e aqui sim, o Crispim teve mesmo que esperar por mim! Através de movimentos que para quem estava a assistir só deviam dar vontade de rir, lá consegui finalizar a "escalada" e seguir para o topo do monte. À chegada vemos um cavalo selvagem, algo que nunca tinha visto por ali mas que aparenta ser frequente naquela serra... Era sensivelmente a partir deste ponto que iniciávamos a descida para o último abastecimento, em Pedrulhos! As pernas estavam mesmo a dar as últimas, tentei comer o máximo que podia para tentar voltar a ter forças e fomos passados por alguns atletas... Conhecia bem esta fase final e quem não levasse força para aquela subida interminável ia passar muito mal. 

Quando finalmente me senti pronto, seguimos em direção à tal subida e optámos por fazer tudo a passo, para evitar males maiores... Ou melhor, ele fez tudo a passo, porque os meus passos eram muito mais pequenos que os dele e quando a distância estava a aumentar demasiado, tinha que meter um ligeiro passo de corrida até o voltar a apanhar e isto repetiu-se dezenas de vezes ao longo dos 2 quilómetros que tinha esta fase da subida. Só para terem uma ideia demorámos 28min a percorrer esse troço e não fomos ultrapassados por ninguém! Depois de uma ligeira descida (200mts) temos a cortada à esquerda que mais me assusta nesta prova... Já depois da subida interminável uma zona super inclinada, onde mais uma vez temos que escalar um conjunto de rochas e que para quem vem com caimbras, pode ser um autêntico martírio! Para prevenir isso tomei logo um gel no início da descida e ao longo da subida fui-me sentindo com as pernas menos pesadas e consegui completar esse troço todo sem nenhuma caimbra (9min para percorrer 400mts), inclusivamente fizemos a parte que se seguia, uma zona ligeiramente a subir até ao último delta conquistado, toda a correr. De seguida iniciamos a descida e as pernas voltaram a não deixar, tinha que fazer tudo com muita cautela para não haver nenhum esticão a estragar estes últimos quilómetros! Fomos novamente passados por alguns atletas tendo passado apenas o Pedro Caprichoso que tal como lhe disse num comentário do Facebook, foi a única pessoa que me conseguiu arrancar um sorriso, porque afinal de contas, ainda havia alguém em piores condições do que eu. Só já no final da descida, já com pouca inclinação, consegui voltar a meter ritmos mais fortes até que nos últimos 800mts, provavelmente por perceber que a meta estava tão próxima e se estar a aproximar um grupo de atletas, baixo o ritmo para 4'30''/km e como é óbvio, o Crispim acompanhou perfeitamente... Obrigado pela seca que apanhaste, amigo, se não fosses tu acho que ainda lá estava por esta hora! Um "mais cinco", um abraço e estava concluído mais um Grande Trail da Serra D'Arga, o meu 3º. Dois minutos depois chega o meu "mano mais velho" que depois de uns tempos ausente dos trilhos, conseguiu voltar com uma prova muito consistente e por pouco não nos apanhava... É bom ter-te de volta!

Reta da meta com o Pedro Crispim

Em relação à organização tenho que reforçar a ideia com que saí nos anos anteriores: OBRIGADO! Um evento numa zona única do país, com paisagens deslumbrantes, abastecimentos completos, ótimas marcações (só um reparo, nas zonas do rio, eu tirava aqueles troços em que dá para ir por duas vias, pode confundir os atletas, podem marcar só uma), um evento com acompanhamento pela população, o que é sempre importante e dois speakers que só pelo nome, dispensam apresentações, Hugo Água e Joca, dois senhores que animam as provas como ninguém! Muitos parabéns a toda a equipa do Carlos Sá, estava tudo com qualidade de topo! Tive pena de não poder completar o quilómetro vertical que se realizou durante o mês de Julho... Não sei se é possível, mas fica a proposta: o km vertical ser na sexta feira! É que fazer as duas provas no mesmo fim de semana dá uma magia enorme à prova!

A nível pessoal acabou por ser uma boa prova até aos 30kms e depois disso, foi autêntica sobrevivência até à meta... Não foi o ideal mas as semanas anteriores à prova também não foram propriamente boas e este ano faltaram-me alguns treinos longos que não consegui compensar! Como em tudo na vida, nada que o trabalho não possa compensar, é hora de começar a preparar 2018! 

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