Orgulho Alheio

 Sabem aquela sensação de orgulho por alguém ter completado um objetivo? E quando esse alguém o conquistou com um esforço que tu sabes, com os sacrifícios que tu sabes e tu simplesmente te limitaste a aguardar que os treinos fossem cumpridos ao segundo? Se a resposta às duas perguntas é sim, então já sabem o que é orgulho alheio :)


Vamos voltar dois meses e meio atrás, ou melhor, vamos primeiro voltar vários meses atrás, até ao dia em que, por mútuo acordo, comecei a “treinar” a Joana Felisberto. Entre aspas porque, desde o primeiro momento, garanti que ia dar o meu melhor, mas que poderia sair tudo errado, dada a minha inexperiência na área do treino (fundamentada em alguns conceitos teóricos aprendidos num curso de treino físico durante 7 meses e, essencialmente, nos anos passados a treinar e a falar sobre treino com o meu pai), nenhum resultado era garantido, e apenas poderíamos ir crescendo enquanto treinador, da minha parte e, se tudo corresse bem, da Joana, enquanto atleta. 


Foram vários meses a crescer… Lembro-me perfeitamente das primeiras corridas, dos primeiros específicos e do primeiro “estágio em altitude”. Durante esses treinos pelas regiões altas de Portugal saiu-me algo como “quando desceres ao nível do mar, vais voar”. Obviamente que esse voar estava mais relacionado com o sobe e desce que teve naqueles kms que pela altimetria onde treinava, mas a verdade é que a profecia se cumpriu de sobremaneira… A cada teste que íamos fazendo, ia ficando cada vez mais mal habituado e, neste momento, já só fazemos testes em alturas específicas do treino, porque o nível de rendimento já está num patamar muito, muito bom. Provavelmente tive muita sorte em ter “acertado” com os planos, em ter recebido boas notícias após cada teste mas, acima de tudo, estes resultados vêm de um esforço tremendo de alguém que tinha todos os motivos para ficar em casa, mas faz questão de acordar de madrugada e ir superar-se a cada sessão de treino. Não sabem o orgulho que se sente quando, ao acordar, temos aquela mensagem a dizer, “coach, está entregue”. Na verdade, está sempre entregue, mas sabe muito bem receber cada mensagem destas.


A parceria corria perfeitamente, estávamos os dois a evoluir muito com esta experiência até que chega uma mensagem da Joana, que tinha uma amiga Joana (eu sei, podiam ter escolhido nomes diferentes para a história, mas assim é 100% real 😅), que tinha uma maratona dentro de pouco tempo, os tais dois meses e meio, e que precisava de ajuda nessa preparação. Voltei a fazer as mesmas promessas, sem resultados, sem garantias, mas iria dar o melhor de mim. Fiz de imediato uma chamada para o meu pai (calma, já lá vamos 😅), comecei a debater com ele quais poderiam ser as abordagens da preparação e falei com a Joana (a Barros, desta vez :p). Lembram-se da lenga lenga de ter todos os motivos para ficar no sofá? Pronto, aqui o têm outra vez. Motivos existiram mil, mas a vontade de se superar era enorme. A primeira maratona da Joana tinha sido ótima, 3h30’ numa estreia era algo de fantástico, e tínhamos agora a difícil missão de bater esse tempo, numa prova provavelmente menos propícia a tempos, mas com uma maratona nas pernas para ajudar a gerir a prova. A primeira semana de testes foi… Surpreendente. Estive à procura de várias palavras, mas esta é a mais adequada a alguém que não andava a treinar com regularidade, mas que deu logo provas de estar 100% focada na missão Londres. Lembram-se da sorte que vos falei? Incrível como as duas Joanas têm uma história tão parecida comigo… Treino delineado, aprovado pelo meu pai, e primeiros treinos feitos. A resposta foi brutal, uma dedicação e empenho monumentais. Uma coordenação da vida pessoal e do treino perfeitos e, quase sem darmos conta, estávamos nos longos finais, na altura de testar os ritmos possíveis para a prova. A resposta foi sempre dada no intervalo mais rápido planeado. Pelo meio, um recorde à meia maratona que deixava qualquer “treinador” ansioso pelo que viria aí. Até à semana antes, os treinos saíram sempre bem, e só a monotonia imposta por um vírus que até os treinos de grupo tirou, complicava uma preparação que, na minha opinião, estava a ser mais do que perfeita. 


Último sábado antes da prova, 17kms cumpridos exemplarmente e começam as voltas na barriga… Sim, eu sei, quem ia correr a prova era a Joana, mas tal como lhe disse ainda nesse sábado, sentia alguma ansiedade pelo que aí vinha, por poder ter cometido algum erro e a Joana não chegar ao dia 3 na melhor forma possível. Não era algo que eu quisesse, mas nada me livrava de poder ter o meu primeiro grande fracasso enquanto “treinador”. E logo na distância rainha do atletismo. E logo numa Major. Ia desabafando com a Joana (a Felisberto, desta vez), que estava nervoso, que queria que corresse bem, mas a prova nunca mais chegava. 


Entretanto a Joana voa para Londres, tem uma sensação de pernas moles e logo uma chamada urgente para o meu pai… “Sensações normais, no dia antes da prova isso passa”. Ok, altura de acalmar, mas já não é possível! A única coisa que quero é que chegue o dia! Aplicação instalada, dorsal da Joana e do André (o marido da Joana, que também ia à prova) adicionados, e só restava rezar para que a aplicação funcionasse bem para poder acompanhar a prova deles (até deu para rezar, vejam lá 🤣). 


Dia da prova… Acordei cedo, tinha que treinar e tinha uma prova para acompanhar. 9h30, não há notícias da aplicação, será que isto vai demorar a dar dados??? 9h33, André passa na partida! Ok, afinal isto é quase no momento, agora falta a Joana, falta a Joana!!! 9h38, passagem da Joana e iniciou a prova! Não me restava mais nada se não esperar… Quem tinha que correr era a Joana, eu só tinha que esperar, parece o mais fácil, não parece? Bem, não é. Passagem aos 5kms, 4:41 de média! Comento com a Inês (que perguntou várias vezes se não ia parar de fazer refresh) que é o ritmo mais forte que ela já tinha feito em treino. Tive receio do fim, mas havia que confiar nas sensações da Joana. Ok, o meu trabalho estava feito, agora estava na hora de ir treinar… Pensei que ia apanhar com o vento todo que não poderia estar em Londres, que ia estar com dores (25kms no dia anterior 😅) que não se poderiam estar a sentir em Londres e, por fim, comecei a fazer as contas de onde estaria a Joana. Meia maratona, estaria na meia maratona… Subir as escadas do prédio, agarrar no telemóvel, batia certo. Passagem à meia com 4:42 de média! Não há quebras, já falta pouco, vamos! A partir de agora, vinham os pontos críticos… 30, 35kms, a parede podia estar em qualquer lugar! Era continuar a acreditar que ela não ia aparecer. 30kms -> 4:41! “Melhorou, melhorou”, disse logo a quem estava à minha volta! “Vamos ver se se mantém até aos 35kms”. Mais uma vez só podia esperar, sentado na cadeira do restaurante, que, em Londres, as pernas continuassem a responder. 35kms, mantém os 4:41, a parede não podia aparecer agora, já faltava demasiado pouco! Entretanto, o André estava mesmo a chegar, faz recorde pessoal, e só faltava a Joana conseguir o mesmo! 40kms, 4:40!!! Seria possível o negative split? À segunda maratona??? Faltavam dois kms… Acho que comecei imediatamente a fazer refresh. Mas de pouco me valeu, a notificação antecipou-se… 3h17’04”! Não foi negative split, foi uma prova do caraças (com C grande, claro). O sorriso apareceu instantaneamente, a Inês gozou comigo, usando o guardanapo para me limpar a baba que caía.


Mais uma vez… Se corri em Londres? Não! Se fiz a preparação? Também não! Se sentia orgulho? Com todo o meu coração! Que orgulho alheio por algo que alguém conquistou! Mereces muito essa medalha, Joana, guarda-a bem, porque vêm aí mais umas aventuras ☺️


Agora só tenho duas pequenas conclusões:

  • Querido pai, foi isto que sentiste em todas as provas em que me acompanhaste? Foi isto que sentiste em Arga enquanto esperavas por mim? Se sim, tiro-te o chapéu! É muito mais difícil do que estar a correr lá 😱
  • Lembram-se da primeira Joana, a Felisberto? Pois bem, vem aí também uma maratona e, mais tarde, vem a do Hugo… Temos muito trabalho pela frente, mas nada me tira o orgulho que tenho nos meus atletas! Um esforço tremendo em todos os treinos e constantes “treino entregue” recebidos nas mensagem. Obrigado a todos pela dedicação ☺️

Comentários

  1. Um dos textos que mais adorei ler neste espaço. Até nestas linhas deu para ver o entusiasmo alheio. Assim dá gosto ter um treinador que se preocupa com o que é feito. 😉

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