Porque as vitórias estão muito longe de serem minhas!


Tenho algumas vitórias no meu curriculum... Já alcançei o lugar mais alto do pódio em Almeirim, em Montejunto, no mini trail do Vitorino Coragem e agora mais recentemente no Trail Noturno da Lagoa de Óbidos. Embora estas vitórias tenham sido alcançadas por mim, existem pessoas por trás de mim com uma quota parte muito grande neste processo que nem toda a gente conhece... Neste último trail, quando estava a fazer a descrição da minha prova (16ª Paragem 2016: Finalmente... Vitória) mostrei a imagem anterior e disse que ia falar sobre ela, pois bem, aqui fica:

Desde pequeno que me lembro da presença do meu pai (Aníbal de Sousa Godinho de seu nome) em tudo o que fazia... Tenho uma vaga ideia dele a brincar comigo aos legos, de passarmos horas a construir o Jardim Zoológico e outras construções de grande gabarito! Lembro-me melhor de o ver a correr, foram muitos anos em que esperava por ele na meta e tinha um orgulho enorme de o acompanhar naqueles metros finais e dizer que aquele senhor era o maior e era o meu pai! Mais tarde lembro-me de o ver nos meus jogos de futebol... Em relação à minha passagem por este desporto costumo dizer uma piada, que embora pareça demasiado má, é mesmo verdade: "Para jogar na minha posição só havia um (eu), e muitas vezes era suplente"! Ainda assim, o meu pai fazia tudo por tudo para estar presente em cada jogo, tal era o meu gosto pela modalidade... Entretanto apareceu-me o bicho do basquetebol (conciliava os dois desportos) e como pai ligado ao desporto que era disse-me que ganhava muito mais em andar no basquetebol, onde tinha mais algum jeito do que andar no futebol! Na altura não me lembro da minha reação, mas segui o conselho dele, sempre gostei de desporto e sempre gostei de ser bom naquilo que fazia (como miúdo que era) portanto estava na altura de mudar de malas e bagagens para o desporto de pavilhão! Quem me acompanhou neste período da minha vida conhece perfeitamente o "senhor Aníbal", o senhor que começou na bancada mas que se entrosou tanto naquilo que o filho fazia que rapidamente passou a seccionista, homem das estatísticas e acima de tudo, um bom adepto da modalidade!

Foto da equipa de basquetebol que ganhou o campeonato distrital e chegou à meia final da taça nacional
Como adepto da modalidade e como pai atencioso que era, lembro-me de uma discussão entre os dois, após um jogo quando estávamos a caminho de casa em que eu achava que tinha jogado bem, e que a derrota da equipa não tinha relação direta comigo! Não me entendam mal, não achava que era o melhor jogador do Mundo e que nunca jogava mal, mas naquela altura, talvez achasse que o jogo não tinha sido assim tão mau! A conversa foi algo do género: "Tens que crescer! Tens que perceber que o jogo não foi mau, foi péssimo e que tu tiveste relação direta nisso! Agora vê se aprendes com os teus erros e apareces no próximo jogo mais forte!" Imaginem isto para um adolescente, na sua fase de "afirmação"... O primeiro pensamento foi que o meu pai não gostava de mim, não via que a culpa não era minha, eu até tinha feito um jogo razoável e ele não era capaz de ver isso. Apesar deste pensamento, acabei por meter mais empenho ainda nos treinos, tentar estar ainda mais entrosado com a equipa e ouvir mais o treinador; Escusado será dizer que os resultados apareceram praticamente no imediato... No palmarés do basquetebol deixei dois campeonatos distritais, duas idas a seleções distritais, uma meia final da taça nacional e também uma ida à seleção nacional de desporto escolar! Em todos eles tive a presença do meu pai e raros foram os jogos em que quando o treinador me metia no banco eu não ia perguntar ao meu pai o que estava a fazer bem e o que estava a fazer mal, conversas estas que se estendiam até depois dos jogos... Obrigado por todos estes momentos em que me fizeste crescer como pessoa e como atleta!

Entretanto fiz dezoito anos, tomei opções académicas/profissionais que me impediram de jogar basquetebol, pelo menos com nível competitivo... Durante cerca de 3 anos não pratiquei desporto com regularidade, fazia umas provas para ajudar a cumprir as exigências físicas da minha "opção" e era suficiente (159kms em 2011; 331kms em 2012 e 233kms em 2013)! No quarto ano tomei a ousadia de me inscrever numa prova de 100kms sem qualquer preparação! Ou melhor, sem preparação até à altura... Na altura disse ao meu pai que ia fazer mais provas para a preparar e ele disse: "Não será melhor pensares em treinar?"! A minha resposta foi a mais fácil na altura: "Não sei se tenho tempo, mas vou tentar!" O resultado foi ter treinado muito pouco, ter feito 160kms em prova nesse ano e não fazer a mínima ideia do sofrimento que ia ter... 

Esta foto é uma boa descrição do que foi a nossa prova... O meu pai a "rebocar-me"!

Esta foi a primeira grande história que tenho com este senhor! Ainda me vêm as lágrimas ao olhos de pensar em tudo o que senti ao longo desta valente jornada... Foram muitas horas que passámos juntos, foram muitos olhares que trocámos, foram ideias de desistir da minha parte que foram prontamente respondidas com um "agora nem que te arraste até à meta"! Foi um exemplo de vida que me foi encaminhando naquele que seria um dos maiores ensinamentos da minha vida: se não estás pronto, não te metas nisso! Muito obrigado por todos os ensinamentos que me transmitiste e por acompanhares os meus passos ao longo da minha vida!
Após esta prova fiz mais 143kms em provas em que me andava a arrastar e em Outubro de 2014, também pela minha mudança profissional e por já não estar disposto a arrastar-me pelos trilhos de Portugal (como alguém um dia me disse), pedi ao meu pai para me ajudar nos treinos, para me ir dizendo o que devia fazer para não sofrer tanto nas provas, queria começar a correr um bocadinho mais... Desde o dia 6 de Outubro de 2014 assumi o compromisso com o meu pai de tentar treinar o máximo que podia, tentar ir aos treinos na Serra (que eram os que mais tinha medo) e ver no que dava! Desde esse dia até ao 18 de Outubro consegui treinar 10 vezes e o simples facto de ter rotinas de treino fizeram com que no Trail Serra da Lousã tenha conseguido o meu primeiro feito: chegar à frente do meu pai... Aqui fica a minha descrição na altura: "Aos 20kms largamos o Nelson e eu adianto-me um pouco ao meu pai, estava a sentir as pernas a deixarem aumentar o ritmo e o estar a aproximar-me do pessoal que estava à frente estava a deixar-me motivado. Parecia que o nervosismo já estava ultrapassado e o corpo já estava a responder como eu queria. Começo a ganhar mais avanço em relação ao meu pai, e a partir daí nunca mais o vi". 

Momentos partilhados no TSL, antes de "ir embora"

Ainda mal tinha começado os treinos e a motivação estava em alta... Não queria parar e a "obrigação" de me ter comprometido com o meu pai faziam com que quisesse treinar cada vez mais! Começei a ter um registo de treinos para aumentar a motivação e tudo corria bem... Acima de tudo aquele senhor que me ia acompanhando em tudo o que fazia passava a ser um dos meus maiores confidentes! Toda a ligação que tínhamos, que era enorme, crescia ainda mais... Era a ele que ligava antes de cada treino para saber o que tinha que fazer, era ele a minha companhia nos treinos que fazia por Torres Novas e além disso era com ele que ia desabafando os problemas, que ia falando de objetivos, que projetava a minha vida e que pedia conselhos para as decisões mais importantes da minha vida! Aquele a quem me habituei a chamar de pai era agora um dos meus melhores amigos e treinador!

Desde 2014 muito haveria para contar, mas este post ficava ainda maior... Assim, gostava de contar três momentos que me marcaram muito ao longo deste último ano:

06/04/2016: Soube que não podia ir ao MIUT. A primeira coisa que fiz quando soube foi ligar ao meu pai... Estava triste! Foram muitos meses de preparação para a prova e agora tinha tudo ido por água abaixo! O meu pai esteve muito tempo ao telefone, a ajudar-me, a fazer-me perceber que o Mundo não ia parar de girar porque eu não podia ir ao MIUT... Quando terminei a chamada, vesti o equipamento e fui fazer as séries que estavam planeadas; Não podia ser um obstáculo que se tinha metido no meu caminho que me ia fazer parar! Este foi apenas um exemplo da maneira como o meu pai sabe lidar comigo... São muitas horas de conversas, sobre coisas boas e sobre coisas menos boas, e muitas vezes basta a palavra certa para melhorar o estado de espírito de uma pessoa.

10/04/2016: Vitória no Trail de Almeirim! Pela primeira vez na minha vida tinha sido o primeiro a cortar a linha de meta... A pessoa que percorreu o percurso fui eu, por isso subi ao pódio mas na realidade o responsável pela minha vitória tinha sido o meu pai, ele é que me tinha dado a força para começar a treinar, foi o compromisso com ele que me fez continuar a treinar, foram as conversas como as que falei anteriormente que me levaram a nunca desistir do meu treino, foram as chamadas ao telefone que me diziam o que fazer nesse treino e eu limitava-me a cumprir! Por isso, aguardei pela sua chegada à meta para lhe dar um abraço apertado, esta vitória era minha, mas era muito mais dele! Assim escrevi na altura: "Recebi a notícia que o Pedro Ricardo estava mal, e que o meu pai vinha pouco atrás... Apesar do frio que sentia queria festejar com o meu pai, o grande responsável por esta vitória!"

13/08/2016: Vitória no Trail Noturno da Lagoa de Óbidos! Prova pertencente ao Campeonato Nacional de Trail, campeonato que "ataquei" em conjunto com a minha equipa... Não me esqueço de esperar pelo meu pai, que afinal acabou por chegar por outro caminho! Quando soube que ele já tinha chegado fui em direção à zona de chegada, vi o meu pai a descer as escadas e sorri para ele... Ele sorriu de volta e veio a correr saltar para cima de mim, no abraço mais apertado da minha vida! Ainda choro, a lembrar-me deste momento... Tanto esforço em conjunto, tantas horas a preparar aquele momento e no final um abraço entre pai e filho, entre atleta e treinador e também entre melhores amigos foi o sinal claro de que tudo tinha corrido bem! A vitória era NOSSA!

Apesar de nenhum destes momentos estar reportado através de fotos, tenho-os todos bem guardados na minha memória... Estes três que são os mais relevantes, e todos os outros que foram marcando a nossa relação! Obrigado por tudo o que fizeste por mim ao longo da minha vida, pai, obrigado pelo exemplo de vida que foste, és e continuarás a ser, obrigado por todo esse acompanhamento, sei que ande por onde andar, estarei sempre acompanhado por ti! És o melhor pai do Mundo! Amo-te!!!

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