4ª Paragem 2023/2024: Com um brilhozinho nos olhos!

 Trail do Zêzere

Distância: 36,57km
Tempo: 4h15’49”
D+: 2330m
Classificação Geral: 1º Classificado

Já o disse no último post, não costumo começar os resumos com fotos mas os fotógrafos têm feito um trabalho incrível e não consigo não o fazer. Obrigado pela grande foto João Delgado!


O Trail do Zêzere marcou a minha 4ª prova da época. Já lá vão 3 meses a treinar, 4 provas e 6 publicações no blogue, mas a verdade é que esta foi a mais difícil de começar a escrever. Não é que não tenha nada a contar, porque há muito, mas as emoções foram muito intensas e tenho medo de não conseguir passar tudo para texto. Mas vamos começar pelo princípio...

Os Trilhos do Neveiro foram uma prova importante para mim. Poder competir com alguns dos melhores nacionais, poder sentir a dificuldade das verdadeiras montanhas, poder sentir-me muito bem com o trabalho que vinha a fazer e, ao mesmo tempo, sentir que ainda existia um longo caminho a percorrer. Tudo isto espoletou um início de ciclo pós prova do mais intenso que já fiz. Todos os treinos começavam com um "estou mal, não sei se vai dar" e acabavam com uma chamada para o meu pai a dizer "Correu exatamente como pedias". Foi intenso, muito intenso. Mudei a alimentação a um nível em que nunca tinha pensado mudar (obrigado ao João Barbosa por isso), treinei como já não me lembrava de treinar e cheguei aos dois dias pré prova com uma força como ainda não tinha sentido desde Agosto deste ano. Os últimos dois dias foram passados a fazer os últimos ajustes. O treino estava completo, faltava ajustar a alimentação à prova e estudar o que se passaria no percurso, a todos os níveis. Tudo correu bem e chegámos ao dia da prova, estava na hora de arrancar.

Chegados a Ferreira do Zêzere era tempo de preparar tudo. Trocar de roupa, preparar os flasks e seguir para a linha de partida e voltar a sentir um ambiente que, felizmente, sempre senti naquele trail. Já fiz várias distâncias em vários anos, mas aquele ambiente de festa do trail esteve presente em todos! A animação estava a cabo do Hugo Água e, quando ele relembrou a minha participação de 2016, quando estava a competir pelo Campeonato Nacional de Trail e consegui naquela prova chegar ao pódio nacional, deixou-me um sorriso no rosto e uma sensação de felicidade por relembrar bons momentos que vivi nesta modalidade. Últimas palavras do Luís Graça com os avisos para a prova, contagem decrescente de 10 até 0 e estavam lançados os 36 quilómetros do Trail do Zêzere. 

Momentos antes da partida (Foto de José Paulo Marques)


A prova não começou demasiado rápida para um início tendencialmente a descer. O grupo da frente ia-se formando, íamos alternando quem passava na frente até que já com mais de um quilómetro de prova entramos no primeiro single track. Aproveito para me lançar para a frente para poder ver bem onde meto os pés e, após uma subida bastante agressiva (os primeiros 6 quilómetros de prova eram marcados por subidas e descidas curtas, mas "impossíveis" em termos de desnível), o grupo da frente fica reduzido a três: eu, o Fábio Mendes e o Gonçalo Fernandes, ou melhor, o Fábio Mendes vai na frente da subida até meio e, após isso, acaba por ficar sozinho na frente da prova e eu e o Gonçalo seguimos no nosso ritmo na "perseguição". A verdade é que eu tinha noção do estado em que me apresentei para aquela prova, já tinha falado com o meu pai sobre os berros que podem acontecer numa prova com tanto D+ e não podia deixar-me levar por um início mais forte. Segui assim quase sempre a meter o ritmo e foi com esse ritmo bem imposto (estava a aproveitar cada metro que dava para correr), que passei no primeiro abastecimento. As sensações eram boas, senti que as subidas nesta fase ainda não estavam a deixar demasiadas marcas e, pouco antes dos 10km iniciámos a primeira grande subida da prova. O início da subida do Xosse é mesmo ao meu jeito, uma subida corrível e onde acabei por cavar um fosso maior para o Gonçalo (a tal passagem rápida no abastecimento já tinha deixado marcas).  Aos 10km de prova, fico isolado no segundo lugar e começo uma tentativa de gestão de prova que me permitisse fazer os 26km que faltavam. O grande problema era o que faltava, e eu ainda não tinha noção do que era. 

Conheço relativamente bem a zona, já andei pela maior parte daqueles trilhos, mas a dificuldade só se sente mesmo passando lá. Continuei forte até chegar a um dos pontos que melhor conheço da prova, a Capela de São Pedro do Castro. A minha mãe e a Inês dizem-me que levava 2' de atraso e tentei não perder tempo. Fiz a subida que se seguia ao lado das cascatas, numa zona tremendamente bonita mas, igualmente dura, e volto a ver o Fábio Mendes num ponto mais alto. A verdade é que, embora estivéssemos quase à distância de uma palma (ilusão de ótica num trilho aos "s"), ele estava bastante mais acima na subida do que eu e confirmei que teria mesmo os 2' de atraso para a frente da prova. E é precisamente nesta subida que se dá, para mim, o ponto de viragem da prova... Uma subida muito longa, com passagens constantes pela ribeira que atravessa o trilho. Sobe pedra de uma lado, sobre pedra do outro e a corrida fica extremamente dificultada. Queria aumentar o ritmo para tentar diminuir esses 2', mas ali ainda não era a altura certa. Aproveito as fases mais corríveis da subida para aumentar um pouco o ritmo, mas tento respeitar ao máximo as dificuldades técnicas que ela apresentava. Aos 17km passamos uma das zonas mais altas da prova. Lembro-me de pensar que metade da prova estava quase feita, mas as marcas começavam a sentir-se. As pernas começavam a ressentir-se nos movimentos mais amplos e tinha que tentar estabilizar isso... Em relação a sentir-me com força, o corpo continuava bem e a cabeça queria chegar mais à frente. Faço a descida que se seguia o mais rapidamente possível e, na fase em que ela se torna mais plana, vejo o Fábio a uma distância que já me parecia bastante inferior aos 2' que tinha na passagem aos 14km. Continuo forte (cheguei a ter ritmos instantâneos de 3'45'') e, na subida que se seguia, consigo aproximar-me e passar imediatamente para a frente da prova. Desço forte, estava galvanizado por ter assumido a frente e não a queria perder mais. Passo a estrada nacional para o outro lado e entro na subida para os picos do Zêzere. Uma subida que não tinha grandes dificuldades técnicas e que permitia correr, assim houvesse pernas. Faço uma subida controlada, o calor começava a sentir-se e estava sem líquidos há mais ou menos 1km. Chego ao topo da subida (uma vista belíssima, mas que não tive muito tempo de contemplar), troco de flasks rapidamente (tinha planeado ser esta a última troca de flasks) e lanço-me para os últimos 15 quilómetros de prova. Do que tinha visto nos dias anteriores, era a partir daqui que se poderiam fazer as maiores diferenças: 3 subidas fortes, duas descidas (a prova acabava a subir) e, quem tivesse pernas, poderia ganhar ali muito tempo. Lancei-me para o acesso à Pombeira, meto ritmos fortes sempre que são possíveis de meter e, aos 24 quilómetros de prova, entro naquela que era, sem dúvida, a subida mais exigente da prova. Não era a mais difícil, porque já tínhamos tido inclinações maiores, não era a mais longa, porque a dos 14 era mais longa por umas centenas de metros, mas era a subida que estava mais à frente na prova e que nunca "suavizava". A subida é perfeita, com um caminho 100% corrível, e ótima para treinar a corrida em esforço, mas ali não estávamos a treinar. Tentei meter um ritmo a andar forte alternado com corrida lenta para não perder avanço para quem vinha de trás. Consegui chegar ao topo em condições de me meter logo a correr e isso foi muito importante animicamente. Estava cansado, a prova estava a ser duríssima, mas nunca perdi a vontade de tentar meter um ritmo mais alto. Segui forte na descida que dava para o último abastecimento sólido do percurso e, quando lá cheguei, tinha a Inês e o André a perguntar como estava e respondi um honesto: "não faço a mínima ideia". Sabia que ainda tinha forças, sabia que estava a andar bem até ali, mas tinha medo de estar a dar demasiado de mim. Não tinha planeado encher os flasks, mas voltei a encher, a subida anterior tinha-me dado cabo do planeamento e não queria ficar sem água ao longo do percurso. Meti um pouco de sal na boca (porque sabia que tinha os músculos no limite de tanta subida e descida a escalar pedras) e segui. 

Mais uma das subidas em que correr parecia impossível (Foto de João Delgado)


Tivemos uma zona minimamente aceitável para correr, dado o estado de desgaste que o corpo já tinha, estamos numa zona bonita do percurso, mesmo junto à albufeira e, de repente, numa curva, as fitas indicam-nos que temos que voltar a uma daquelas subidas em que vale mais não olhar para baixo. Felizmente, aquela era bem mais curta, consegui correr bem na parte final e saí de lá com uma força que pensava já não ter. E, se até agora só vos falei de coisas boas que aconteceram, estamos a entrar no pesadelo desta prova. Terminando a descida que se seguia à tal subida dura mas curta, entramos numa zona de levada, que tão bem conheço, da prova. Uma levada que nos vai levar a uma queda de água super bonita, mas que indica que vem aí empeno. Para sair desta queda de água temos cordas que nos ajudam a subir, literalmente, pelo meio das rochas, num trilho bastante duro. A questão é que eu já sabia disso e estava preparado animicamente para o que ia acontecer. O que não estava preparado era para, após poucos metros de iniciarmos a escalada, mandarem os 36km para a direita. Se aquela fase ia ser difícil, nada me tinha preparado para os próximos 2km. A descrição deste troço é muito fácil: um quilómetro a subir, um a descer e, em qualquer um dos dois, um pé que escorregasse e íamos parar lá abaixo com uma rapidez enorme (com a enorme probabilidade de, se isso acontecesse, nos podermos aleijar). Só uma vez na minha vida estive num sítio onde o relógio me dissesse que estava parado em termos de distância horizontal e só a distância vertical mexia... Tinha sido na Madeira, no MIUT, na subida dos 20km (mas aí aconteceu durante um bocado mais de tempo) e agora no Zêzere. Se o foco até ali tinha sido andar forte para ninguém se aproximar, agora era ultrapassar aquela fase e depois preocupar-me-ia com a classificação. Apesar de tudo, a descida foi pior que a subida. Em vários momentos, tive que colocar o rabo no chão para auxiliar nos maiores saltos e, quando parecia que tudo tinha corrido bem, a 10 metros de terminar a descida, escorrega o pé e caio com as costas no chão. Nada de grave, a descida estava feita e já só faltava a fase final da prova. 6km com bom desnível, mas sempre controlado, sem as grandes oscilações que foram marcando o resto da prova. A subida e descida anteriores tinham sido tremendamente desgastantes em relação ao estado do corpo, mas eu agora estava completamente focado em chegar. O trabalho dos últimos meses, mas especialmente das últimas semanas estava a dar resultado e não podia ser na fase que melhor se adequava a mim (subidas em que dá para correr) que iria perder aquele primeiro lugar. Sigo num estado de "dormência" em que sabia que estava cansado mas que tinha que aguentar até ao fim. Vou passando pelo pessoal da caminhada que se vai todo afastando (um obrigado por isso) e, só no abastecimento final (só de líquidos) é que a confusão de ter tanta gente nos trilhos foi má para mim. Alguém da caminhada disse que o longo não seguiria pelo caminho após o abastecimento e tive que voltar atrás 100m para confirmar com o elemento da organização que era por ali. Assumido o erro por parte dos caminheiros, afastaram-se e deixaram-me passar para uma fase da minha prova em que o triunfo já estava demasiado presente, estava a correr tudo bem.

(No vídeo que publiquei no Instagram, o André Carriço falou da "pressa" com que cortei a meta e ficou prometido deixar aqui no blogue tudo o que senti nos últimos dois quilómetros) 

A parte final da prova era na entrada de uma zona habitacional. Eu sei, por experiência, que aquele troço de alcatrão mostra os últimos quilómetros de prova e é quando lá passo que percebo que está feito. Levanto a cabeça e, como se não bastasse a sensação de perceber que vou ganhar uma prova tão importante para mim, vejo o meu pai que tinha vindo ver se eu chegava. Assobio, ele olha para trás e percebemos que era nossa. Um suspiro da parte dele, uma lágrima que me vem ao canto do olho, passo por ele, damos um mais cinco e ele diz "é tua". Não deu para conter, o corpo entrou numa descompensação total e parecia que já nem havia ar para respirar. Foquei em manter a respiração, a sensação ficou adiada para o passar a meta. Começo a ouvir o som das pessoas que estavam à espera à porta do pavilhão. Ouço o pessoal a chamar pelo meu nome, ouço o Hugo Água a anunciar a minha chegada e, mesmo na entrado do pavilhão, tenho o pessoal do Caracol à minha espera. As emoções estavam num turbilhão, dentro do pavilhão, debaixo do pórtico tenho a Inês e a minha mãe a segurarem a fita. Acreditem, ainda vem a lágrima ao canto do olho a escrever estas palavras. Passei a meta, mandei-me para o chão porque tinha a cabeça em erupção. O trabalho que estamos a desenvolver está a dar frutos e não há nada que me deixe mais feliz. Como o meu pai escreveu no facebook: "Onde nos vai levar não sei, mas que é este o caminho tenho a certeza." E o melhor de tudo é que todos temos a certeza. Tem sido perfeito partilhar esta evolução com os meus, com os que estão sempre lá e, nos momentos mais difíceis, dizem ainda mais presente do que nos momentos bons. Obrigado!

Caracol Trail Team após a minha chegada. Que orgulho que tenho nesta família! (Foto da "minha" Inês :p) 


Para finalizar, como habitualmente, quero falar da organização mas, desta vez, não quero só falar da organização. A prova estava perfeita! Um percurso duríssimo, paisagens do mais bonito que há, um equilíbrio entre partes para correr e partes técnicas e com boas marcações, estava muito bom e um obrigado à organização por levantarem um evento desta magnitude, com tanta qualidade e sem nunca se esquecerem dos atletas. Um segundo obrigado às "gentes" com que me vou cruzando nos trilhos... Já tinha acontecido anteriormente, mas nesta prova senti ainda mais o carinho de quem me vai acompanhando neste cantinho. É bom ouvir todas as palavras de apoio que vão dando ao longo dos trilhos, um obrigado a todos!             

Comentários

  1. Top, parabéns... Venham mais, vitórias e relatos espectaculares.
    Sérgio

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  2. Parabéns pela excelente e sentida descrição da tua prova.
    Através das tuas palavras dá para perceber que és apaixonado pela corrida e que não é só o pódio que conta, mas sim a experiência de levar o corpo a outro nível.
    Parabéns pela Vitória.

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  3. Fiz a ultra, ma revi-me totalmente nos teus comentários sobre a prova, exeto na última grande subida que foi um alívio do caraças quando a terminei e comecei a descer...que bem que soube e bem mais fácil que a subida e aí sim, pensei "está feita" agora é só rolar até à meta. Parabéns. Gostei de ler. Rui Marçal.

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