8ª Paragem 2018: A vitória da montanha!

Madeira Island Ultra Trail

Distância: 43.96kms (de 116kms)
Tempo: 06:31:47
Classificação Geral: DNF (Did Not Finish)
Classificação Escalão: DNF (Did Not Finish)

O título é vitória da montanha mas podia ser outro... Vitória do excesso de confiança, da imaturidade e da inexperiência! Passei praticamente todos os minutos da minha vida desde as 6h30' de sábado a pensar no que correu mal e no que poderia ter feito de maneira diferente e a verdade é que faria praticamente tudo! Resta aprender com os erros e traçar novos objetivos, cada vez mais ambiciosos!

Já vos tinha dito que estava apaixonado pela Madeira, tudo lá é enorme, as montanhas são magníficas e pouco mais nos resta além de contemplar e usufruir ao máximo o que ela nos dá... E era isso que queria fazer desde o momento em que saísse de Porto Moniz! Para evitar grandes confusões saímos cedo da casa onde descansávamos... Saímos por volta das 21h30' e ainda antes das 23h estávamos no local de partida! O ambiente já estava criado: Centenas de atletas e acompanhantes aglomeravam-se junto à zona do check in, os speakers de serviço (Joca e Hugo Água, enormes!) iam falando sobre os dados das provas e à medida que se aproximava a hora de partida, ia ficando cada vez mais concentrado! O aglomerado de atletas ia sendo cada vez maior e quando faltavam cerca de 20', inicia o check in da prova e entramos dentro das grades da partida... É aqui que começo a rever toda a prova na minha cabeça, começo a pensar onde tenho que estar bem, onde tenho que ter juízo e como gostaria de passar em cada abastecimento! Chego-me à linha da frente dos não favoritos... Eu, os Pedros e o Bruno Figueiredo vamos comentando os atletas à nossa frente com dorsal entre 1 e 50, os atletas que por terem ranking I-TRA superior a 780 têm direito a entrar diretamente na linha da frente e a nível pessoal, começo a sonhar! A preparação tinha sido muito intensa e os resultados recentes fizeram-me sonhar... Não fazia a mínima ideia do terreno que iria apanhar ao longo da prova mas nada me fazia deixar de pensar que poderia fazer uma prova perfeita! 

Momentos antes da partida
Cerca de 5' antes da hora de partida chegou o momento de juntar os não favoritos aos favoritos... Os segundos começavam a passar mais lentamente, o foco já estava totalmente na partida e quando finalmente chegou o momento da contagem decrescente, desejei boa sorte ao pessoal que estava à nossa volta e quando chegámos ao 0, partimos para a décima edição do Madeira Island Ultra Trail. A saída foi forte, um forte controlado durante os primeiros 300mts onde o terreno era plano! Logo de seguido iniciámos a primeira subida, em terreno muito fácil mas com uma inclinação brutal! O grupo da frente, onde seguiam todos os favoritos, começou a subida com cerca de 50mts de avanço mas ao longo de toda a subida foram ganhando metros e metros até que no final, já os tinha perdido de vista... De qualquer maneira, a subida correu bastante bem, embora fizesse grande parte dela a andar, sentia-me com força e só o pessoal dos bastões ia passando por mim. Já perto do final, passa o Armando Teixeira e a Mimi Kotka (atleta da Salomon internacional) e embora tenham ganho algum avanço, consigo juntar-me na fase plana, antes de entrar na primeira descida, fazendo a descida toda atrás deles! A descida era relativamente fácil mas foi precisamente aqui que começou o calvário das escadas a descer... Os desníveis são de tal maneira acentuados que só com escadas se consegue descer sem ir com o rabo ao chão! Sinto que nestas descidas começo a perder em relação à esmagadora maioria de atletas que seguia ali na minha zona mas quando chegava a altura de correr nas fases sem escadas, conseguia compensar o que ia perdendo... Descida terminada e entramos numa das fases da prova que fazem valer cada cêntimo que pagamos pela prova: um comboio de 200 metros de pessoas a apoiar os atletas! Ao passar lá só me lembrava das subidas intermináveis da volta a França com pessoas a encher as estradas... Não é que a extensão fosse a mesma, mas é um momento mágico sentir o apoio de tanta gente! A primeira subida e descida estavam despachadas, a prova estava a correr bem, até estava bem demais uma vez que estava lado a lado com o Armando Teixeira, um dos atletas mais experientes do trail nacional.

Quando terminava o tal comboio, iniciávamos a segunda subida... 10kms com 1200 D+, uma fase inicial duríssima, com inclinações semelhantes à primeira subida e uma fase final dura mas mais acessível! O Armando acabou por seguir a bom ritmo, assim com o Figueiredo e não os consegui acompanhar, tendo ficado com a Mimi e com um atleta francês a subir a passo, mas um passo bastante forte! Assim que terminou a fase mais complicada da subida, já com 600mts de altitude, aproveito para meter um passo de corrida consistente e que não me desgastasse muito... O início estava bastante tranquilo, aproveitei para trocar umas palavras com a atleta Sueca mas com o ritmo que íamos impondo, ela acabou por ficar para trás. Daqui até ao final da subida é muito fácil resumir: subidas inclinadas a passo e subidas "fáceis" a correr... Chegamos ao primeiro abastecimento, no final da segunda subida bastante tranquilos! Aproveitámos para comer qualquer coisa, encher os flasks e mesmo quando estávamos a sair do abastecimento, oiço as palmas para a Mimi, a primeira mulher!

Momentos antes da chegada ao primeiro abastecimento
Logo a seguir ao abastecimento, uma ligeira subida e iniciamos a segunda descida, cerca de 1000mts de D-, com uma fase inicial pouco técnica mas que à medida que chegávamos às cotas mais baixas, se ia tornando mais técnica! A primeira fase acabou por correr bem, seguindo sempre atrás do Pedro, com um ritmo razoável... Assim que chegámos à fase das escadas (com alturas diferentes), e aos saltinhos de pedra em pedra, o Pedro acabou por esperar por mim e fomos passados por três atletas, entre os quais a Mimi que parecia que ia a voar! A fase final da descida era bastante técnica, dava ideia de ter passado ali uma linha de água em tempos e só quando finalmente cheguei ao alcatrão é que pude voltar a correr em condições... O momento em que abandonávamos o alcatrão coincidiu com o segundo abastecimento e é precisamente a partir daqui que tudo muda! Aproveito o abastecimento para comer qualquer coisa, não encho os flasks porque durante a descida só tinha dado dois golos no isotónico e no próximo já poderia encher tudo... À saída do abastecimento tinha noção da dificuldade da próxima subida, sabia que era uma das mais duras da prova mas nada fazia antever aquilo que iria apanhar!  

Os primeiros 300mts eram a descer e a direito, aproveitei para uma paragem para a casa de banho onde me separei do Pedro pela primeira vez e assim que arranquei, começou a subida! A inclinação inicial obrigou-me a meter imediatamente a passo... Fui subindo mas a cada passo que dava parecia que estava mais lento! Ia olhando para o relógio mas os metros horizontais pareciam não andar, só os verticais é que iam subindo desmesuradamente! Cheguei a uma altura em que comecei a fazer contas para tentar perceber a inclinação e percebi que em perto de 3kms tinha feito um quilómetro vertical, e as coisas não pareciam abrandar! Agora que cheguei a casa e analisei é que percebi o que realmente se passou: 3.4kms com 1000 D+ (o primeiro troço), e 4.7kms com 1200 D+ (subida completa)! Se na altura me pareceu isso, agora posso dizer com toda a certeza: em Portugal Continental é impossível preparar estas subidas! Se é possível treinar o corpo para a agressividade da prova, é impossível preparar para uma subida destas, em que a cada passo que damos, andamos mais verticalmente que horizontalmente! De início o ritmo não estava mau, um passo conforme podia ia fazendo com que ninguém se aproximasse mas quanto mais subia, pior o corpo se sentia... Cheguei a um ponto em que para dar o passo seguinte tinha que fazer um pausa, respirar e só depois mexer o outro pé! É nesta altura que começo a ser ultrapassado com muito maior frequência... Ainda durante a subida passaram por mim 3 atletas estrangeiros e já na fase em que a subida começava a aliviar, depois dos 4.7kms, passou por mim um grupo maior, já com vários atletas portugueses, entre os quais o Magno, um atleta madeirense que conheci na Taça com quem aproveitei para trocar umas palavras. Tentei colar ao grupo mas o corpo estava mesmo a recusar-se a responder, já levava 50mts de atraso quando consigo finalmente fazer 100mts a correr sem ter que parar... Aos poucos fui-me aproximando do grupo e mesmo quando me cheguei a eles, entramos na zona do terceiro abastecimento, o primeiro onde poderíamos receber assistência externa! 

3º abastecimento
Permitam-me fazer uma pausa no "relato" da prova para fazer uma crítica construtiva: em baixo farei os elogios à organização, e acreditem que são muitos, mas estes locais de assistência externa não tinham jeito nenhum! Um local onde os acompanhantes mal podiam preparar o material, onde não havia condições para os atletas se sentarem e descansarem enquanto falam com quem está a apoiar, sem acesso por parte de quem está a apoiar por exemplo à água, obrigando a que andar carregado com águas para poder dar a assistência! Resumindo, a única coisa que tinham era um espaço onde se podia contactar com os atletas, não dando nada para que essa assistência pudesse ocorrer em condições! 

Voltando à prova, cheguei ao abastecimento e vejo que o Pedro ainda lá está, aparentemente a subida também não lhe tinha saído de feição e acabei por motivar um bocadinho, tinha ganho novamente companhia para fazer a parte da noite! Troquei rápido o material que tinha para trocar, pedi ao Juca para no próximo abastecimento me dar adesivo para o calcanhar que estava ligeiramente "roído" pela sapatilha "nova" e segui para a zona do abastecimento onde pela primeira vez meti a canja. Caiu-me muito bem, estava quentinha, ao contrário da noite que se estava a tornar cada vez mais fria... Saímos do abastecimento e iniciamos a segunda descida! Uma fase inicial inclinada, seguida de uma zona de levada plana e que terminava numa zona técnica novamente inclinada... A primeira fase consegui seguir ao ritmo que estava a ser imposto mas logo na segunda fase percebi que algo não estava bem, seguíamos a ritmos entre os 5'20'' e os 5'40'' e embora estivesse a acompanhar, estava a ser difícil para mim aguentar o ritmo! Apesar de tudo conseguimos apanhar 3 atletas que seguiam à nossa frente e fizemos juntos a parte técnica... O Magno acabou por conseguir ultrapassar e fazer a fase técnica mais rápido mas eu, além de não o conseguir fazer por estar mais atrás no grupo, não tinha também condições físicas para tal! Mesmo no final da fase técnica, o que já estava mau, ficou pior ainda... A chuva decidiu vir juntar-se ao MIUT e se as pernas não me queriam deixar correr, a chuva tirava qualquer vontade de sair para os próximos quilómetros! Chegados ao abastecimento, fui o que perdi mais tempo por lá... Estava a tentar repor o máximo para ganhar força para os próximos quilómetros que o Pedro me tinha dito que seriam com mais quase 700mts de D+. Quando achei que já estava aceitável, disse ao Pedro que estava mesmo a passar mal, que só me apetecia ficar por ali mas que tínhamos que seguir... Ele tirou-me o impermeável da mochila, vesti-o e seguimos para os próximos quilómetros! À saída do abastecimento continuávamos a descida até que entramos por um trilho à esquerda e começa o calvário completo! A subida não era difícil, as inclinações eram bem menos acentuadas que nas duas subidas anteriores mas as sensações eram equivalentes ao final da segunda subida! Quando tinha que fazer o esforço de subir uma escada, parecia que o corpo se revoltava contra mim e queria ficar no mesmo sítio! O ritmo estava tão baixo que disse ao Pedro que ia ficar no próximo abastecimento... Faltavam 75kms de prova e vinha aí a fase mais difícil de todas até ao Pico do Areeiro! O corpo não se queria mexer e a chuva não deixava sequer a cabeça "mudar o chip" para resistir até ao fim! Tinha sido a vitória da Madeira sobre mim, uma vitória que me deixou completamente de rastos e a dizer a alto e bom som que só voltaria quando me sentisse realmente preparado para um empeno daqueles e que isso nunca seria em menos de 4 ou 5 anos! Daí até ao final limitei-me a arrastar-me e a fazer a descida o mais rápido que conseguia até ao abastecimento para poder trocar de roupa e anunciar a minha desistência! Junto a mim ficou o Pedro, restando apenas o Crispim em prova! Mesmo não fazendo a prova a correr, fiz toda a prova a acompanhar o Crispim e no fim foi com um enorme orgulho que filmei o final da prova dele... Muitos parabéns, miúdo! E obrigado ao Joca e em especial ao Hugo por se terem lembrado da foto debaixo do pórtico da meta! 

Foto debaixo do pórtico
No final da prova, depois de conseguir descansar convenientemente e de voltar a ter todas as capacidades mentais, analisei ao pormenor tudo aquilo que aconteceu ao longo da prova (pré, durante e pós) e tentei perceber o que tinha levado à vitória da montanha e foi aí que percebi que mais do que isso, tinha sido a vitória do excesso de confiança, da imaturidade e da inexperiência! Vitória do excesso de confiança porque acreditei que por estar na melhor forma da minha vida podia fazer uma prova perfeita... O que deveria ter feito era uma gestão melhor da prova para não levar um empeno tão grande! Vitória da imaturidade porque não encarei a prova como devia... Deveria ter feito uma preparação muito mais específica, devia ter descansado mais, devia ter mais preocupações com a comida e com a água, devia ter levado roupa para o frio e para a chuva, devia ter preparado praticamente trocas para todos os abastecimentos! Até do adesivo me esqueci... Sem dúvida que tenho que encarar estas provas com outra filosofia e acima de tudo, com outra maturidade! Vitória da inexperiência porque apesar de já ser finisher de 4 provas com +100kms, não soube gerir o esforço de uma prova com 3000 D+ nos primeiros 30kms, nem tão pouco soube gerir o facto de estar desgastados e não conseguir correr! Agora resta aprender com todos os erros cometidos e traçar novos objetivos! Em relação ao regresso a esta prova, já me impus os requisitos para em 2019 estar de volta e terminar esta aventura! 

Por fim duas notas: 
Em primeiro lugar dar os parabéns à organização! Tirando o pormenor que falei anteriormente, a prova tem um nível estupendo... A nível logístico tudo muito bem preparado, desde o check in até ao último abastecimento, uma envolvente enorme com toda a população da ilha, um percurso duríssimo mas belo, "brindes" com valor, tudo a pensar nos atletas! Que o vosso esforço continue a ser recompensado com a presença massiva de atletas de todas as nacionalidades e que em 2019 esteja de volta para vos voltar a dar os parabéns! 
Em último lugar mas o mais importante, o meu muito obrigado por todas as mensagens que fui recebendo! O vosso apoio foi fundamental para traçar a edição de 2019 como um objetivo... São vocês desse lado que me deram força para não ir abaixo e estar já de volta a este desporto que tanto gosto! Muito, muito obrigado por tudo, vocês são enormes!

Comentários

  1. Parabens por tentares! Gostei da análise lúcida e humilde que conseguiste fazer depois da montanha te ter presenteado com dificuldade extra...outras tentativas virão depois das aprendizagens. Dä-lhe gäs

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Quando as coisas nos correm mal, não resta mais nada se não analisar e tentar corrigir, não há outra maneira :)
      Obrigado e um abraço

      Eliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

10ª Paragem 2023/2024: Primeira vitória numa ultra, Primeiro controlo Anti Doping no Trail

9ª Paragem 2023/2024: Ultra, porra!

4ª Paragem 2023/2024: Com um brilhozinho nos olhos!