11ª Paragem de 2016: Que brutalidade de prova!!

Estrela Grande Trail

Tempo: 04:49:22
Distância: 44.0kms
Classificação Geral: 4º Classificado
Classificação Escalão: 2º Classificado SenM

A Serra da Estrela já é uma velha conhecida minha... Praticamente desde que me lembro que vou à Serra uma vez por ano, no mínimo! Quando era mais novo ia com os meus pais para aquele que era um dos fins de semana mais divertidos do ano... Ir à neve, fazer sku, ir fazer a caminhada do Manteigas-Penhas Douradas e esperar com ansiedade que o meu pai chegasse! No dia seguinte era dia de ir ao Covão da Ametade, ir ao Poço do Inferno, ver o viveiro de trutas de Manteigas e acabar no Vale Glaciar do Zêzere. Não sou um profundo conhecedor desta Serra, mas sempre passei aqui ótimos momentos... Quando não era nas corridas era por simples passeio com amigos ou para ver a Volta a Portugal, tendo o ano passado participado mesmo no Manteigas-Penhas Douradas como atleta e tudo aquilo me maravilhava.

Ainda durante o ano de 2015 surgiu interesse de no ano seguinte juntamente com o Pedro Ricardo ir fazer os 111kms do Sicó, para preparar a Madeira. Quando apareceu esse interesse, e para podermos ter acompanhamento, o João Martins disponibilizou-se a dar apoio e nós iríamos retribuir por altura do mês de Maio, no Estrela Grande Trail. Era altura de voltar, não para participar, como costumava fazer nas caminhadas, mas para acompanhar um grande amigo e que tanto merecia o meu apoio. O ano de 2016 foi trazendo várias contrariedades ao que estava planeado, no que a provas diz respeito, Sicó fiquei nos 35kms, Madeira nem sequer cheguei a apanhar o avião e a única coisa que ia correndo bem eram mesmo os treinos! Ia-me sentindo cada vez com mais força e queria aplicar isso em provas... Foi com este pensamento que em conjunto com o meu pai decidi aproveitar qualquer dorsal que disponibilizassem na Net, partindo do pressuposto que o João nunca ficaria sozinho, iria o meu pai acompanhá-lo na prova!

A prova do fim de semana antes, nas Lampas, tinha sido muito rápida e a recuperação só não foi mais rápida devido a uma prova de corta mato com 8kms que tive que fazer logo na segunda feira... Não gosto de "deixar o crédito por mãos alheias" e arranquei uns 29'21'' nesses 8kms o que levou a recuperação praticamente até sexta. A viagem até Manteigas foi feita ainda nesse dia, para conseguir descansar minimamente para a prova... Assim que cheguei fui levantar os dorsais e apesar da hora já algo tardia (perto das 23h) ainda deu para ver muitas caras conhecidas. Após alguma conversa era hora de ir para casa, ter com os enormes João Martins e Pedro Crispim que no dia seguinte, às 6h da manhã partiriam para os 90kms... Preparei o equipamento para a minha prova e fui dormir!

No sábado acordei, preparei a minha prova e com 45min de antecedência fui para a linha de partida... Os nervos começavam a apoderar-se de mim, queria muito que esta prova corresse bem, sabia que esta seria uma prova à minha medida e queria "portar-me bem". Talvez por isto o meu pai me encontrou com um semblante não muito animado, estava a rever a prova de Manteigas Penhas Douradas mentalmente para tentar perceber como seria a prova mas não estava a ajudar muito, só queria que a prova começasse! Minutos antes da partida começa a formar-se um grupo com gente que já vou conhecendo das provas e os nervos aumentam ainda mais... Algumas fotos para a praxe dos "favoritos" e estava na hora! Exatamente às 9h, com contagem decrescente do enorme Armando Teixeira, saímos para 5h de aventura e diversão nos trilhos da Estrela.

Partida logo atrás do Miguel Reis e Silva, um torrejano de referência!


Os primeiros 5kms eram duríssimos, uma saída demasiado forte poderia pagar-se nos restantes 40kms... Queria ter juízo mas por outro lado não queria afastar-me muito do grupo da frente! Na altura do maior desnível começa a formar-se um grupo com 6 atletas... O juízo acaba por ganhar à vontade e decido meter o meu ritmo, um passo rápido com períodos curtos de corrida permitiam-me gerir a subida e chegar com relativa força ao primeiro patamar da subida: as Penhas Douradas! Durante a subida, além dos 6 atletas da frente fui ainda ultrapassado por um outro e estava colado com outro o que fazia com que chegasse a este patamar entre o 8º e o 9º lugar! Tinha posto o objetivo mental do top 5 e estava a começar a perder as esperanças desse objetivo mas a prova ainda ia só no início, não podia entrar em "desespero". Quando atingimos as Penhas Douradas, no local habitual do términus do Manteigas-Penhas Douradas, seguimos por um caminho mais plano, que permitia meter outras velocidades, e foi aí que começei a meter o meu ritmo! Acabei por ganhar alguma vantagem para o 8º lugar e não sentia em demasia o peso da subida anterior... No final desta zona mais plana tínhamos uma zona curta e técnica de acesso ao Vale de Rossim, uma zona onde tive que abrandar o passo para não correr o risco de escorregar e acabar logo ali a minha prova! Enquanto ia nestes pensamentos passa por mim o André Guedes, um dos favoritos anunciados no guia do atleta... Apesar de não querer arriscar, quando fui ultrapassado senti necessidade de não perder espaço para ele, sabia que o abastecimento estaria perto e não queria perder mais uma posição! Tal como tinha previsto, passados 500mts tínhamos o abastecimento onde já tinha à minha espera o meu pai... Ele encheu-me o bidon, comi uns salgados (o tempo estava a ficar quente, não queria correr o risco de ter caimbras) e segui logo atrás do André.

Chegado ao 1º abastecimento: Vale do Rossim

Saímos os dois num ritmo forte, segundo o gráfico disponibilizado no guia do atleta e no dorsal, o que seguiria seria uma zona com algum desnível, mas pouco, comparado com aquilo que já tínhamos feito... Mas tal como o meu pai me tinha dito, o que importava não era o que estava no gráfico, era o que estava no terreno! E isso era só mais uma fase muito dura da prova! Apesar de o declive não ser muito acentuado, era constante e não permitia ritmos muito elevados. Enquanto que a direito me limitei a seguir o ritmo do André, a subir estava a sentir-me relativamente solto e acabei por fugir, voltei ao meu 8º lugar e não o queria largar... Ao longe viam-se dois atletas que tinham seguido no grupo da frente e fui na sua perseguição! Começei a fazer contas de cabeça e se os conseguisse ultrapassar conseguiria chegar ao 6º lugar, bem mais próximo do objetivo que tinha planeado antes da prova. Apesar de este pensamento estar bem presente na minha cabeça tentei não entrar em euforias, já tinha percebido que os declives eram maiores do que aquilo que tinha pensado e não queria deitar tudo a perder. A distância para trás ia aumentando mas não conseguia diminuir a distância que levava para a frente... Os ritmos pareciam ir semelhantes até que por volta dos 15kms passamos numa reentrância entre duas rochas, uma zona em que éramos obrigados a saltar ou então a sentar no chão para não causar grandes impactos nos músculos... Joguei pelo seguro, sentei-me em cada patamar da descida e quando cheguei ao fim dessa pequena mas técnica descida, a distância para a frente tinha aumentado ainda mais! Tentei meter um ritmo mais forte mas o corpo ia respondendo negativamente... Parecia que aquelas quase 2h em que praticamente só tinha subido estavam a começar a deixar marca nas pernas! Ainda assim, meti o ritmo mais rápido que consegui, e ao fim de dois quilómetros começamos a aproximar-nos da torre... Nesta fase os declives começam a ser maiores, curtos mas inclinados e é aqui que começo a ganhar vantagem! O meu passo ia sendo superior a quem ia na frente e começo a aproximar-me... Quando parecia que estávamos mesmo próximo da Torre, começamos a descer até ao alcatrão onde está novamente o meu pai à minha espera e diz-me que a distância para os da frente era curta, que iam logo ali à frente! 
Descida a "fugir" à torre!

O caminho mandava-nos para uma curta descida, para nos afastar novamente da torre e quando vou a meio da descida, após uma curva em cotovelo, volto a ver o duo da frente e estavam mesmo próximos... Se o passo já ia forte, ainda mais forte ficou! Queria aproximar-me daquele duo e logo após o abastecimento (apenas de líquidos) ataco a subida com uma energia renovada. O duo rapidamente passou a dois "unos" e consigo logo chegar ao primeiro elemento. Sigo durante um quilómetro com ele, numa fase da subida mais inclinada e assim que consigo voltar a correr sigo sozinho na perseguição ao elemento que ia em 6º lugar. A adrenalina começava a aumentar e em menos de nada estava na torre! O nevoeiro não me permitiu perceber que estava a acabar a subida e fico surpreendido quando vejo a comitiva da equipa. O meu pai já está no abastecimento para ajudar, aproveito para recarregar nos salgados, mostro o casaco ao controlador, como uns chocolates e quero sair dali o mais rapidamente possível! Tinha acabado de saber que o Miguel Reis e Silva (um enorme torrejano) tinha desistido ali, a prova estava a correr demasiado bem e não queria estar a perder muito tempo no abastecimento!  

A escolha era tanta que nem sabia o que comer


Assim que saio do local do abastecimento, vejo o atleta que agora ia na 5ª posição a vestir o corta vento e sigo com ele para a descida que se iria iniciar. De início apenas a neve estava a dificultar a progressão mas assim que baixamos a um nível em que já não há neve, surge uma fase com descida em pedras soltas em que volto a perder espaço para o 5º atleta. 

Passagem logo após a Torre, numa zona em que era impossível fugir à neve


Entramos no alcatrão e volto a meter um ritmo forte, lembro-me de olhar para o relógio e ver que estava a rodar à volta dos 4'30''/km e por incrível que parecesse, estava a sentir-me bastante bem! Apesar de estar a ser agradável, aquela zona para rolar, foi sol de pouca dura, em menos de nada, três fitas num poste assinalavam a entrada em novo trilho a descer, este muito técnico mesmo, um trilho onde as pedras soltas reinavam e quando não estavam soltas estavam com alturas diferentes o que fazia com que a atenção tivesse que quintuplicar para não haver lesões... Nesta fase passamos por um grupo de pessoas que estavam a caminhar e começo-me a aproximar do elemento que ia na frente, via cada vez mais o quinto lugar perto! Logo a seguir a passar pelas pessoas a caminhar oiço alguém a pedir também para passar, olho para trás e vejo que os dois elementos que tinha deixado para trás, tinham aproveitado a descida para se aproximarem de nós. Neste momento íamos num grupo que ia desde o 5º lugar até ao 8º... Quando se formou este grupo, o terreno mudou, entrámos numa fase mais plana, que permitia rolar e voltei a conseguir meter um bom ritmo, aos poucos ia ganhando distância para os restantes elementos, mas logo após dois quilómetros entramos em nova descida técnica, uma descida que apesar de ter marcas de PR antigas parecia ter sido aberta à pouco tempo! Nesta descida sou ultrapassado pelo elemento que tinha ultrapassado antes da torre e não consigo sequer acompanhar... A minha qualidade técnica apesar de estar bastante melhor do que à um ano atrás continua a não me permitir meter ritmos demasiado altos! A meio da descida volto a ver os meus pais (numa curta passagem de alcatrão), vão-me metendo ao corrente do que se vai a passar na prova mas tenho que seguir rapidamente para não perder de vista o atleta que me tinha acabado de passar... A partir desta passagem, o terreno fica mais direito, menos técnico e volto a conseguir meter um bom ritmo! Não tinha noção exata de quando seria a subida para os poios brancos, mas sabia que não poderia estar muito longe... Os quilómetros já eram muitos e os 4'/km a que se corria naquela fase parecia um ritmo de loucos mas nem assim me aproximava do 5º lugar!

Zona plana após a descida técnica

Após cerca de dois quilómetros neste ritmo alucinante o caminho está trancado e encaminha-nos para um trilho à direita em que já tinha alguma inclinação... Volto a ouvir a comitiva dos caracóis a puxar por mim, vi o atleta que ia à minha frente a meter a passo e aproveito para me aproximar! O corpo respondeu positivamente, parecia que o ritmo alto dos quilómetros anteriores tinham injetado nova força nas pernas e consegui logo descolar! Assim que atingi o alcatrão perguntei ao meu pai se aquilo eram os poios brancos, ele disse que sim, para ir com calma que a subida era muito dura!

Passagem de alcatrão, onde já seguia em 5º lugar

Antes da prova tinha falado com o José Brito sobre aquela subida, tínhamos falado em 350metros de D+ para 2 quilómetros, o que seria semelhante ao que encontro sempre que vou treinar para a Serra D'Aire! Pelo gráfico era assim que parecia mas mais uma vez a Serra da Estrela mostrou que não é com gráficos que se analisam provas... Os 350mts estavam lá, os 2 quilómetros é que encurtaram para 850mts e a subida ficou duríssima! Tentei meter um passo rápido e sempre que ficava ligeiramente menos inclinado tentava meter a corrida mas não estava a ser nada fácil. Ao longo da subida vou deixando de ouvir passos atrás de mim, a distância estava a aumentar, o que eram boas notícias, mas a melhor notícia apareceu já perto do final da subida... Vi o Telmo Veloso e o Bruno Silva a chegarem ao topo da subida! O abastecimento era próximo do fim da subida e apesar de os ver ao longe quando eu terminei a subida, cheguei ao abastecimento sem os ter visto sequer a partir. Encontrei o Luís Duarte, perguntei como estava a correr a prova, abasteci também eu, perguntei ao Telmo Dourado se o Telmo Veloso já tinha passado à muito e ele respondeu 2'. Estava na altura de seguir caminho, queria tentar aproximar-me daquela dupla o mais depressa possível! O que no início me pareceu complicado (atingir o top5), agora estava a concretizar-se e começou a aparecer o sonho de fazer um pódio nesta Serra que tanto gosto e neste evento que tanto devia orgulhar os corredores de trail em Portugal! Sabia que não era fácil, que eles tinham que estar mal e eu fazer o final da minha vida, mas como se diz, "enquanto há vida, há esperança"! Saí do abastecimento a um bom ritmo, apesar de uma pequena inclinação nos dois quilómetros que se seguiam ao abastecimento era perfeitamente corrível e pouco tempo depois de sair do abastecimento vejo o Bruno alguns metros à minha frente! Aumentei ainda mais o ritmo, a prova estava a acabar e tinha que dar tudo por tudo... Consegui aproximar-me antes da descida final e passei logo! Estava no 4º lugar e agora era tempo de ir atrás do terceiro! Iniciei a descida final na máxima força, ainda vi o Telmo Veloso a meio da descida, num dos cotovelos do estradão, antes de entrar num trilho ligeiramente mais técnico mas nunca mais o vi! Quando já tinha passado dos 40kms quis confirmar que o que tinha visto no início da prova era verdade, que a prova não chegava a ter 45kms... Decido parar, para virar o dorsal para a frente e quando o faço, a perna esquerda escorrega-me e parece que rasgo a coxa direita! A dor era relativamente intensa mas não podia ficar a pensar nela! Decidi continuar a correr e esperar para que a dor passasse! Ao fim de 500mts o músculo voltou a relaxar e consigo voltar a correr normalmente, não sabia o que se tinha passado, mas a verdade é que estava de volta... Quando já estávamos muito próximos de Manteigas mais um cruzamento de estrada onde vejo o meu pai!

Passagem no alcatrão junto à entrada de Manteigas

Percebi em conversa com ele que o terceiro lugar já era muito complicado, mas mesmo assim não queria desistir... Mantive o ritmo alto e mesmo quando estava a chegar ao final da descida o gémeo direito dá sinal! Felizmente que foi mesmo só um sinal e não tive que abrandar por causa disso. Só faltava uma "pequena" subida e estava na meta! Quando estou a meio da subida oiço o speaker a anunciar a chegada do Telmo... Olho para trás, vejo que não vem ninguém e sigo a um ritmo calmo, mas sempre a correr até à meta! Quando lá cheguei, um abraço de agradecimento ao meu pai por tudo o que tinha feito por mim e era altura de descansar! O sonho de fazer um pódio nesta prova ainda esteve presente durante a descida de acesso a Manteigas mas ficou a 1'50'' de poder ser concretizado! Ainda assim esta foi mais uma prova em que ficou comprovado que o treino realmente compensa e que é este caminho que tenho que seguir!

Gostava só de agradecer a todos os elementos do Caracol que me foram apoiando, mas em especial ao meu pai, que foi vibrando com a minha prova como se fosse ele próprio a correr, que me auxiliou em tudo o que podia e que me tem permitido viver este sonho que é competir com os melhores atletas de trail nacionais! Obrigado, pai, tens sido ENORME! 

Gostaria de deixar um agradecimento também à organização que nos deliciou com uma prova fantástica, um staff sempre pronto a ajudar, uma sinalização perfeita, abastecimentos mais do que suficientes e a mostrarem-nos aquela que é se não a mais, uma das mais bonitas e brutais Serras de Portugal! Foram enormes!

Por fim, deixar os meus parabéns aos valentes Caracóis Pedro Crispim e João Martins que concluíram os 90kms do Estrela Grande Trail! São enormes companheiros! O vosso espírito de conquista é inspirador para qualquer pessoa que vos conheça! 

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