As saudades apertavam e eu nem sabia



Setembro de 2019 - Grande Trail Serra D’Arga

Último trail “a sério” que fiz, num dos meus locais preferidos para o praticar, numa prova de despedida desta modalidade que durante tantos anos pratiquei. Desde aí que a minha ligação a este Mundo se dava apenas pelas redes sociais… Ia consultando as classificações, ia acompanhando o mercado de transferências, mas nada “prático”. Sempre disse que um dia voltaria a praticar trail, simplesmente não seria agora, tinha muitas coisas para fazer até lá. 


Foi com o pensamento de mudança que abracei os meus últimos dois desafios coletivos que tive… A Juventude Vidigalense e o União de Tomar, duas equipas em que a aposta em corta matos e competições de estrada e pista era enorme e onde quis sempre fazer parte de uma solução coletiva que nos ajudasse a alcançar os objetivos propostos. Fui feliz, muito feliz, mesmo. Competir com alguns dos melhores atletas nacionais, acompanhei muito do trabalho que se faz na alta competição, fui um miúdo graúdo a olhar (e a sorrir) para os aquecimentos nas principais provas nacionais. É um Mundo pelo qual me apaixonei desde pequenino e, por si só, é capaz de me preencher em termos do que de bom posso tirar do desporto. E o trail foi ficando, sempre com a devida ponderação, relegado para um futuro que não se antevia próximo. 


Até que surge 2022, aquele ano em que tudo pode acontecer… De uma assentada, duas ou três certezas que tinha, caíram por terra: não iria a uma prova onde não tinha sido feliz (por motivos profissionais já tinha estado envolvido), não voltaria ao trail num curto espaço de tempo, não me meteria em distâncias acima da meia maratona até 2023. Todas, rigorosamente todas estas certezas foram debeladas e, através da participação do Exército no Challenger das Linhas de Torres, voltei a competir em trail. 


A preparação foi em tudo semelhante ao que andava a fazer… À exceção da conversa com o David Azevedo sobre a altimetria em treinos a rolar, praticamente tudo se ia desenrolando para as provas que estarão para vir (depois conto onde são as próximas) e, propositadamente, não houve uma preparação específica para uma tão grande distância. A ementa previa uma distância de 35kms, com a maior parte da altimetria do percurso de 100kms onde estava inserida… Não sabia quanto, sabia que era muito mais do que a que estava habituado, e com essa informação segui para a linha de partida. Comigo levava o velhinho colete Salomon, com dois flasks e 3 géis. A ideia era usar 2, mas uma pessoa nunca sabe o que vai acontecer (esperem pelo fim da história 😅).


A partida era na Praia dos Pescadores, saiam juntos os elementos pertencentes ao primeiro percurso das estafetas (os tais 35kms) e os elementos militares e civis que iriam tentar concluir os 100kms a solo. Após umas breves palavras seguidas de uma buzinadela, seguimos para os primeiros quilómetros de prova. Embora o percurso tivesse os primeiros 4kms a pedir “ritmo”, era demasiado extenso para aventuras e acabei por fazer essa fase inicial com o Preciado, onde aproveitámos para meter a conversa em dia (Dias, foste um dos temas de conversa, foi bom saber que estás bem 😅). O ritmo foi forte, mas consideravelmente controlado, seguindo os dois na 2ª e 3ª posição, uma vez que o elemento da estafeta masculina da psp saiu disparado logo nos metros iniciais da prova. Ao 4º quilómetro passamos sobre a linha de comboios e entramos no Forte da Casa. Um percurso mais urbano, que culminava num trilho com o primeiro Delta a ser atingido (e foram vários os que foram sendo ultrapassados). Subida em single track, descida em estrada mais larga, culminando numa estrada de alcatrão… Este - subidas mais técnicas que as descidas - para mim, foi um dos pontos muito positivos da prova, principalmente para quem já não tem sapatilhas de trail 😅


No final da subida, quando iniciamos o acesso ao alcatrão, o Preciado começa a ganhar-me avanço e eu percebo claramente que aqueles não eram ritmos para mim. Se queria aguentar os 35kms sem quebras exageradas, não me podia meter em ritmo loucos. Passei então para a 3ª posição da prova, de forma isolada e sem sentir ninguém atrás de mim. De seguida, uma pequena ligação entre as duas povoações e a primeira de duas zonas “complicadas”, para quem vinha com sapatilhas de estrada… Uma colina, e a respetiva descida, a pique, em que o trilho seguia aos ziguezagues para impedir autênticos shows de sku. De qualquer maneira, com a aderência que tinha, foi mesmo de rabo no chão que fiz metade da descida. Voltando a “solo firme”, era altura de meter os pés a andar rápido, até porque a seguir iniciávamos a subida mais dura da prova… Uma zona mais de parte pernas dentro das povoações, depois viramos à esquerda e, vieram as sensações! Subidas de meter mãos nos joelhos, gerir cada um dos troços menos duros com uma corrida ligeira, aproveitar os momentos mais lentos para beber água… Veio tudo à cabeça, tudo! E foi tão bom. Achei que tinha feito uma boa subida, e na verdade acho que fiz, mas quando cheguei ao topo, começo a ouvir a respiração de alguém. O primeiro da geral dos 100kms estava já ali, e eu só ia fazer 35kms. De qualquer maneira, aproveitei o boost de o ter a respirar atrás de mim, aproveitei a descida em estradão para abrir bem a passada e voltei a ganhar algum avanço, sem nunca deixar de o “sentir”. E a verdade é que ele claramente era um homem forte do trail (não o conhecia, mas já digo quem é 😅), assim que o terreno voltou a subir, até ao primeiro abastecimento, ele voltou a chegar-se e dessa vez ultrapassou mesmo. Tentei ao máximo minimizar o que estava a perder para ele e, desde que saímos do abastecimentos (18,5kms), até o perder de vista, ainda foram 2 ou 3kms. 




Foi bom ter alguém ali a meter ritmos nas subidas, a obrigar a não esmorecer nas fases mais duras. Mas tudo o que é bom acaba e entrei na minha fase negra… Os quilómetros começaram a pesar e, honestamente a minha memória apagou grande parte do que fiz… Lembro-me da minha queda, perto dos 28kms, na tal segunda fase complicada, a sair de mais um delta, num single track onde já só havia lama, o que veio a piorar com a chuva que já vinha a cair há alguns minutos. Lembro-me muito bem de estar feliz por estar a sair-me tão bem fora da minha atual zona de conforto, mas a começar a sentir o cansaço das pernas. A corrida já só era forte porque tinha que entregar o “testemunho” o mais rapidamente possível. E assim foi… Até aos 31kms a cabeça ainda seguia levantada, mas aos 33kms já só queria mesmo chegar. Segui o mais rápido possível, o que a subir já era a roçar o lento, mas tinha que lá chegar rápido. No último quilómetro, uma zona que parece não ter qualquer razão lógica, 300mts sem trilho, só a pisar ervas que alguém foi cortar por ir lá passar a prova. Felizmente aquele já era mesmo o fim e, assim que me apercebi que estava a chegar, foi terminar a prova e entregar o testemunho!A minha parte estava feita, bastante bem feita, na minha opinião, e a equipa conseguiu o terceiro lugar coletivo! Estamos de parabéns! 




Agora as duas coisas que fiquei de contar:

1º - Suplementação

Plano: Barra antes, gel aos 50’, gel à 1h40’, depois já não era mais preciso.

Realidade: Barra antes, gel aos 50’, gel à 1h40’ e gel aos 28kms, quando comecei a perceber que o corpo já não estava a achar piada à brincadeira 🤪

2º - O atleta que venceu os 100kms a solo

Pierre Legendre - 769 Itra; Não o conheço, não o acompanho, mas tive a curiosidade de ir ver a classificação Itra. E acho que fala por si… Não sendo um astro, é alguém com muito experiência e com bons resultados em Franca, com vitórias em provas de 100kms e 100milhas. Ganhou-me por 1’30”, mesmo ainda lhe faltando 65kms até ao final 😅


Por fim, as sensações:

Foi muito bom voltar, adorei as sensações das subidas, a superação constante, o foco na preparação da prova e a importância do detalhe. Gostei de sair completamente do registo, de ter recordado muita coisa, de me ter recordado a mim. Mas agora é hora de voltar… Voltar aos meus treinos, voltar aos meus registos. No próximo mês já temos uma meia maratona e uma prova de 15kms onde quero estar bem. Se há coisa que ficou ainda mais vincada é que vou voltar e não tenho dúvidas que vou ser muito feliz. Obrigado a todos pelo apoio! 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

10ª Paragem 2023/2024: Primeira vitória numa ultra, Primeiro controlo Anti Doping no Trail

9ª Paragem 2023/2024: Ultra, porra!

4ª Paragem 2023/2024: Com um brilhozinho nos olhos!