Segunda Paragem: Do inferno ao céu... Duas vezes!
Ultra Trail GTSA
Distância: 52.44kms
Tempo: 06:22:34
Classificação Geral: 25º Classificado
Classificação Escalão: 1º Classificado Sub23M
O dia anterior tinha sido quase perfeito... Um aquecimento durinho no km vertical, um almoço de atleta e saboroso, uma tarde de relaxamento pela piscina e pela casa e depois um jantar de atleta que já deixava o corpo de sobreaviso que no dia a seguir, se tudo corresse bem, ia sair bem amassado com 53kms do mais duro que se faz no nosso país.
Na manhã a seguir foi acordar de madrugada, preparar carros e seguir para Dem, uma pequena aldeia perdida no meio dos cumes da Serra D'Arga que neste dia simplesmente entra em apoteose e vive para um grande evento, organizado por um grande ultra maratonista, Carlos Sá. À chegada à aldeia era carros à entrada da aldeia, no meio da aldeia e no fim da aldeia, perto da meta... Todo o recanto servia para deixar o carro, tal era o número de participantes, que em conjunto com as suas famílias se encontravam atarefados em ultimar os pormenores para a aventura que se seguia.
08:00:00
Os nervos já são como que normais antes de uma prova destas, a barriga a dar voltas, o olhar em redor para ver a cara de aterrorizados dos outros e ficar ainda pior, a concentração final, o beijo de boa sorte do pai e as palmadinhas no rabo do resto do pessoal da equipa e após as oito badaladas da igreja, vamos embora... Afinal são só 53kms e a coisa a bem ou a mal tem que se fazer!
Saí a achar que o meu mano mais velho vinha atrás de mim mas após 600mts olho para trás e ele não está lá. Após 200mts lá aparece ele e seguimos juntos a dar a volta à aldeia para esticar o pelotão (um bela ideia, diga-se de passagem). Passamos novamente pela partida, vemos pela última vez a equipa técnica do caracol e seguimos para o primeiro empeno.
Após 2kms e pouco já estávamos a subir, e que subida... Seguia atrás do Pedro, quando dava corríamos, quando ficava demasiado inclinado, passo! Íamos a meio da subida e oiço a primeira senhora, que não estava a pôr a passo em lado nenhum, a pedir para passar e desvio-me, o Pedro para não atrapalhar acelera e em menos de nada, estavam 3 ou 4 abutres a aproveitarem a boleia da senhora a passarem também por mim. Bastou uma desatenção para o Pedro estar 20mts à minha frente e já não o consegui apanhar. Foi a partir daqui que fui a primeira vez ao inferno. As pernas parecia que não queriam subir, sentia as sapatilhas mal apertadas, o intestino estava a informar que o dia não ia correr bem... Tudo junto deu uma salganhada tão grande que a meio da subida a cabeça já pensava em tudo menos em correr! Não me sentia com força para correr e isso estava a notar-se. Chego ao cimo do primeiro empeno, ato as sapatilhas corretamente e tento atacar a descida com força, para recuperar o tempo perdido na subida, mas ainda não era aí que a coisa ia mudar... Parecia que estava a ir rápido demais para uma prova desta dificuldade e era ver pessoal a passar por mim, parecia que iam de mota e eu de triciclo. Não estava mesmo nos meus dias e chego ao primeiro abastecimento só digo para a minha mãe que não tinha forças, que não estava mal, só não conseguia correr!
Saí do abastecimento e passei logo para a frente, o percurso tinha uma subida que não era muito inclinada e eu estava quase em estado de euforia por ter passado mal e agora me estar a sair bem a prova. A prova estava a ir tão bem que ao 22kms, vejo o Pedro a acabar a subida e após isso a descer como ele tão bem sabe... Rapidíssimo! Não o consegui apanhar, aliás, ele até me ganhou distância mas no fim da descida havia um abastecimento. Quando eu estou a chegar ele está a sair, ainda deu para perguntar como ele estava, ele disse que tudo bem, que ia andando e eu preocupei-me em abastecer bem. Saí deste abastecimento em 25º e quando começava a subida que tínhamos feito no dia anterior no km vertical, apanhei-o. A dupla tinha voltado e nem foi preciso dizer nada, era para chegarmos juntos! Acabamos a subida, fomos passados por dois (um deles o Bruno Figueiredo, que grande prova, muitos parabéns), e após isso, no planalto do cimo da senhora do Minho metemos um ritmo forte para voltarmos à prova. Continuava tudo a correr bem, e isto tinha tudo para dar certo. Começamos a descida para o abastecimento "principal". Foram cerca de 3kms muito íngremes e com muita pedra, que obrigavam a um constante desviar das pernas, o Pedro marcava o ritmo e eu seguia atrás dele... Numa das vezes em que tive que desviar fico completamente agarrado à coxa direita! Só me tinha acontecido na vida uma vez, mas a verdade é que os músculos estavam a dar de si. Talvez fosse da falta de desnível no treino, talvez fosse do ritmo demasiado elevado mas a verdade é que entrei em desespero... Digo ao Pedro para seguir, ele tentou que eu fosse, mas não dava mesmo, tinha que parar para voltar ao normal, é que a dor não estava a passar mesmo parado! Meti sal, não estava a passar, mais desespero! Finalmente decido parar 30 segundos, respirar, meto um gel para dentro (tinha pensado não os usar por causa do estado dos intestinos) e a perna parece recuperar e voltar ao normal! "A partir de agora, vê se tens juízo" pensei eu. Continuei a descer a um ritmo calmo, já tinham passado mais de 15 por mim, incluindo a primeira senhora e agora o objetivo era só chegar ao fim! Fiz a descida até ao abastecimento e decidi parar para comer bem, hidratar e depois poder voltar à prova. Passei neste abastecimento em 34º.
Distância: 52.44kms
Tempo: 06:22:34
Classificação Geral: 25º Classificado
Classificação Escalão: 1º Classificado Sub23M
O dia anterior tinha sido quase perfeito... Um aquecimento durinho no km vertical, um almoço de atleta e saboroso, uma tarde de relaxamento pela piscina e pela casa e depois um jantar de atleta que já deixava o corpo de sobreaviso que no dia a seguir, se tudo corresse bem, ia sair bem amassado com 53kms do mais duro que se faz no nosso país.
"Jantar de atleta" preparado pelos Chef's da equipa |
Recuperação no centro de estágio do Caracol |
Na manhã a seguir foi acordar de madrugada, preparar carros e seguir para Dem, uma pequena aldeia perdida no meio dos cumes da Serra D'Arga que neste dia simplesmente entra em apoteose e vive para um grande evento, organizado por um grande ultra maratonista, Carlos Sá. À chegada à aldeia era carros à entrada da aldeia, no meio da aldeia e no fim da aldeia, perto da meta... Todo o recanto servia para deixar o carro, tal era o número de participantes, que em conjunto com as suas famílias se encontravam atarefados em ultimar os pormenores para a aventura que se seguia.
08:00:00
Os nervos já são como que normais antes de uma prova destas, a barriga a dar voltas, o olhar em redor para ver a cara de aterrorizados dos outros e ficar ainda pior, a concentração final, o beijo de boa sorte do pai e as palmadinhas no rabo do resto do pessoal da equipa e após as oito badaladas da igreja, vamos embora... Afinal são só 53kms e a coisa a bem ou a mal tem que se fazer!
Saí a achar que o meu mano mais velho vinha atrás de mim mas após 600mts olho para trás e ele não está lá. Após 200mts lá aparece ele e seguimos juntos a dar a volta à aldeia para esticar o pelotão (um bela ideia, diga-se de passagem). Passamos novamente pela partida, vemos pela última vez a equipa técnica do caracol e seguimos para o primeiro empeno.
Passagem na partida após a volta a Dem |
Após 2kms e pouco já estávamos a subir, e que subida... Seguia atrás do Pedro, quando dava corríamos, quando ficava demasiado inclinado, passo! Íamos a meio da subida e oiço a primeira senhora, que não estava a pôr a passo em lado nenhum, a pedir para passar e desvio-me, o Pedro para não atrapalhar acelera e em menos de nada, estavam 3 ou 4 abutres a aproveitarem a boleia da senhora a passarem também por mim. Bastou uma desatenção para o Pedro estar 20mts à minha frente e já não o consegui apanhar. Foi a partir daqui que fui a primeira vez ao inferno. As pernas parecia que não queriam subir, sentia as sapatilhas mal apertadas, o intestino estava a informar que o dia não ia correr bem... Tudo junto deu uma salganhada tão grande que a meio da subida a cabeça já pensava em tudo menos em correr! Não me sentia com força para correr e isso estava a notar-se. Chego ao cimo do primeiro empeno, ato as sapatilhas corretamente e tento atacar a descida com força, para recuperar o tempo perdido na subida, mas ainda não era aí que a coisa ia mudar... Parecia que estava a ir rápido demais para uma prova desta dificuldade e era ver pessoal a passar por mim, parecia que iam de mota e eu de triciclo. Não estava mesmo nos meus dias e chego ao primeiro abastecimento só digo para a minha mãe que não tinha forças, que não estava mal, só não conseguia correr!
Primeiro abastecimento |
Foi chegar, comer qualquer coisa rápida e seguir, apesar de não ter forças também não queria ir só "passear", ia ver no que dava. 500mts depois do abastecimento os intestinos decidiram que queriam dar um ar da graça deles e na primeira oportunidade que tive foi encostar para "descarregar". Quando voltei a correr, parecia que o corpo estava diferente, parecia que estava mais solto e que afinal até tinha forças... Achei estranho, mas decidi aproveitar, não sabia quando é que isto ia acabar. Começei a correr muito mais rápido do que tinha vindo a fazer até ao momento e não tenho noção da quantidade de pessoas que ultrapassei entre o primeiro e o segundo abastecimento, mas até a subir estava a conseguir correr! Estava decididamente a caminhar do inferno para o céu até que poucos metros antes do 2º abastecimento vejo a Ester, a primeira senhora e penso que afinal a coisa estava a correr muito melhor do que eu pensei quando passei ao primeiro abastecimento. Achava que não estava longe do Pedro e que a continuar assim o risco era só "rebentar", mas se isso acontecesse, depois logo via, agora era tempo de correr.
A Ester à frente e eu 3 lugares mais atrás |
Saí do abastecimento e passei logo para a frente, o percurso tinha uma subida que não era muito inclinada e eu estava quase em estado de euforia por ter passado mal e agora me estar a sair bem a prova. A prova estava a ir tão bem que ao 22kms, vejo o Pedro a acabar a subida e após isso a descer como ele tão bem sabe... Rapidíssimo! Não o consegui apanhar, aliás, ele até me ganhou distância mas no fim da descida havia um abastecimento. Quando eu estou a chegar ele está a sair, ainda deu para perguntar como ele estava, ele disse que tudo bem, que ia andando e eu preocupei-me em abastecer bem. Saí deste abastecimento em 25º e quando começava a subida que tínhamos feito no dia anterior no km vertical, apanhei-o. A dupla tinha voltado e nem foi preciso dizer nada, era para chegarmos juntos! Acabamos a subida, fomos passados por dois (um deles o Bruno Figueiredo, que grande prova, muitos parabéns), e após isso, no planalto do cimo da senhora do Minho metemos um ritmo forte para voltarmos à prova. Continuava tudo a correr bem, e isto tinha tudo para dar certo. Começamos a descida para o abastecimento "principal". Foram cerca de 3kms muito íngremes e com muita pedra, que obrigavam a um constante desviar das pernas, o Pedro marcava o ritmo e eu seguia atrás dele... Numa das vezes em que tive que desviar fico completamente agarrado à coxa direita! Só me tinha acontecido na vida uma vez, mas a verdade é que os músculos estavam a dar de si. Talvez fosse da falta de desnível no treino, talvez fosse do ritmo demasiado elevado mas a verdade é que entrei em desespero... Digo ao Pedro para seguir, ele tentou que eu fosse, mas não dava mesmo, tinha que parar para voltar ao normal, é que a dor não estava a passar mesmo parado! Meti sal, não estava a passar, mais desespero! Finalmente decido parar 30 segundos, respirar, meto um gel para dentro (tinha pensado não os usar por causa do estado dos intestinos) e a perna parece recuperar e voltar ao normal! "A partir de agora, vê se tens juízo" pensei eu. Continuei a descer a um ritmo calmo, já tinham passado mais de 15 por mim, incluindo a primeira senhora e agora o objetivo era só chegar ao fim! Fiz a descida até ao abastecimento e decidi parar para comer bem, hidratar e depois poder voltar à prova. Passei neste abastecimento em 34º.
4º Abastecimento |
Saí e em cada subida metia logo a passo para depois poder voltar a correr a direito e a descer... Felizmente que era mais a descer (sem ser pronunciado) do que a subir e consegui voltar a correr! Consegui meter um ritmo estável de 5min/km e estava a recuperar, sentia a perna a voltar ao normal e começei a ver os atletas que me tinham passado! Após esta fase plana, nova subida, voltei a tentar correr a subir e a verdade é que as pernas estavam a deixar. Mantive o ritmo forte, para quem vai a subir, e começo a passar outros atletas! "Porreiro" pensei eu, agora é voltar a trabalhar para fazer alguma coisa da prova (estava novamente a sair do inferno). A um km de acabar a subida apanho um grupo relativamente grande onde ia grande parte do pessoal que me passou quando fiquei agarrado à perna. Estava forte e foi "toca e foge", após isso a descida (mais uma íngreme e cheia de pedras), tive que ir com muita calma por causa da perna mas a verdade é que só um é que me acompanhou, tudo o resto estava a ficar para trás! Cheguei finalmente ao abastecimento, estava irritado com a maneira como as minhas pernas estavam a reagir às descidas e foi só chegar, encher os bidons e o flask e seguir, não me apetecia estar a falar, só queria acabar aquilo!
A sair do último abastecimento |
O que se seguiu foi puro masoquismo! Não sei como é que o resto do pessoal reagiu a esta subida mas eu só queria mandar o Carlos Sá para sítios não muito bonitos. Uma subida que sozinha já fazia doer, consegui correr em 50% dela, ganhando muito espaço a quem vinha atrás de mim e aproximando-me de quem estava à frente. Quem seguia a um bom ritmo também era a primeira senhora, que subia no mesmo ritmo que eu! Após essa subida, uma ligeira descida e depois... Nova subida!! ##!!!### Meia dúzia de nomes e desta vez a subida foi feita integralmente a passo! Na parte final passámos por um estradão de terra batida que parecia ser o fim da subida. Mesmo quando estava a chegar ao final vejo uma fita a cortar o caminho e a mandar para a esquerda... "NÃO!!!" O corpo já não queria mas tinha que ser, era o fim, desde o cume para onde íamos até à meta era sempre a descer. Foi tudo a passo, passei mais um atleta e finalmente atingi o ponto mais alto da subida. Dali até à meta eram 3kms a descer, novamente muito íngremes, mas que tentei fazer sem perder muito tempo... Fui sempre no "limite" das pernas e só fui passado por um atleta. No final, já no alcatrão, ainda deu para mandar um mini sprint até à meta, para não ser apanhado por mais ninguém!
Após passar a meta, em Dem |
No final, de mim, já só restava o espírito, porque o corpo já tinha ido... Foi uma prova muito dura, com muito desnível e com descidas ainda mais complicadas que as subidas (o facto de serem muito íngremes e terem muita pedra levava a um desgaste enorme nas pernas), mas isto só faz com que tenha adorado fazer a prova e que para o ano, se tudo correr bem, estarei novamente em Dem para esta grande aventura, mas desta vez com mais preparação para correr ainda melhor, sem estes problemas que me foram atormentando ao longo da prova! Foi uma grande festa do trail, exemplarmente bem marcado, com abastecimentos completos e suficientes que eleva, e muito, o nível do trail running em Portugal! Obrigado Carlos Sá e restante equipa por este enorme evento! Por último dar os parabéns a todos os enormes caracóis que terminaram esta prova e agradecer à equipa de apoio, são todos enormes!!
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