9ª Paragem 2023/2024: Ultra, porra!

Trilhos dos Reis

Distância: 47.88km
Tempo: 5h11’16”
D+: 2609m
Classificação Geral: 6º Classificado 
Classificação Escalão: 2º SenM

Os detalhes da preparação dos trilhos dos Reis estão no último post (Preparação da Primeira Ultra) e, por isso, não me vou alongar muito. Queria só realçar que, após a recuperação da gripe, quando as boas sensações voltaram, a verdade é que tudo correu muito bem. Não sabia bem até que ponto essas boas sensações poderiam durar a prova toda ou não, só sabia que queria exponenciá-las ao máximo e tentar fazer o melhor resultado possível. 

Chegada a véspera da prova, estava na hora de fazer os últimos preparativos. A casa em Marvão estava marcada, os geles estavam comprados, roupa de prova pronta, só faltava mesmo juntar tudo e seguir caminho. Fomos até Torres Novas para cantar os parabéns ao pai e ao padrinho e seguimos para a viagem final até Portalegre. Em termos logísticos (e não só), esta ida de véspera para a prova é uma vantagem enorme: O dorsal levantado tira todo o stress do horário pré prova, o descanso é maior (não é que se durma muito) e, acima de tudo, entramos na prova mais cedo! 

Dia da prova! Estava na hora de me meter a caminho! Vou-vos confessar uma coisa... Não sabia o que ia sentir naquele dia! Sabia o que significava (um regresso que queria muito), sabia que ia ser duro, mas estava longe de saber que iria viver aquele turbilhão de emoções. Assim que cheguei a Portalegre, finalizei a parte do equipar que tinha começado em casa, enchi os flasks e segui para an Arena dos Trilhos dos Reis, no mercado Municipal de Portalegre. Foi ali que as emoções começaram a vir ao de cima. O Hugo Água a falar da prova que era, do que significava ser finisher daquela prova, ver os atletas todos que ali estavam, ver que ainda conheço tanta gente neste meio, foi tremendo. Com a chegada do momento de passar por baixo do pórtico e ir para o controlo zero e da partida no exterior, começou um turbilhão que me consumiu durante mais de 5h. Estar de volta àqueles tambores da partida, aquele abraço de boa sorte ao Bruno, alinhar naquela linha de partida! Estava de volta e as lágrimas estavam a começara a humedecer os olhos (se alguém perguntar porque estava assim, digam que era o vento que estava a cortar a vista). Contagem decrescente de 10 até 0 do Hugo e estávamos nos Trilhos dos Reis. Dali até à meta estava um sem número de quilómetros, um grande número de horas a correr e uma experiência que vou guardar para sempre. 

Momentos antes de passar por baixo do pórtico para sair da Arena e ir para a partida

A prova começou a ritmo controlado, ninguém queria dar um primeiro passo maior do que a perna, até porque todos sabíamos o que se seguiria. Entrámos na Escola da Guarda num pelotão de cerca de 10 atletas, passámos por baixo do túnel e começou a prova. A primeira subida da prova, embora não seja a mais difícil, serve para separar o trigo do joio. Quem tem pernas, segue na frente, quem não tem, fica para trás e mete o seu ritmo. Eu faço parte dos segundos. Sentia-me bem, mas não podia andar a arriscar ficar fora de pé, porque podia pagar-se demasiado caro mais à frente. Apesar de não andar na frente, ainda vi o grupo de 6 atletas que seguia destacado durante algum tempo, mas acabei por ficar definitivamente para trás, junto com um grupo de 4 atletas. A fase inicial da prova, embora seja quase sempre a subir, não oferece as dificuldades que mais tarde viríamos a apanhar, mas serve bem para começar a desgastar as pernas. As sensações eram boas, a subir estava a sentir-me mais forte do que quem vinha comigo, mas a descer não estava a impor um ritmo suficiente para me distanciar definitivamente daquele grupo. 

Final de uma das primeiras subidas da prova, tendo já perdido contacto com o grupo da frente

Aos 7 quilómetros de prova, o filme muda drasticamente, entramos na fase mais dura da prova e é a partir daqui que as verdadeiras diferenças se começam a fazer! Dos 7 aos 31km de prova, vamos três vezes acima dos 900m (a altitude não é de alta montanha, mas em termos de desníveis encontrados, já é completamente diferente do que se encontra nos 600m), a maior parte das vezes em subidas longas e inclinadas, onde, quem tivesse mais força, conseguiria fazer as maiores diferenças. Aos 8km, no primeiro abastecimento da prova, surge a primeira contrariedade, ou melhor, a contrariedade foi criada no dia anterior à prova. Passo a explicar: comprei umas sapatilhas para distâncias mais longas na feira da prova (falamos sobre elas mais tarde), quando fui levantar o dorsal. Sabendo que a prova seria técnica em alguns pontos, ponderei levar as sapatilhas novas, porque as Nike não me davam garantias para o percurso que sabia que iria encontrar e as Ribelle, embora perfeitas em termos técnicos, ainda não estavam bem moldadas ao pé e eu pensei que seria boa ideia levar as novas (não vale a pena chamarem nomes nos comentários, sabia ao que ia). A verdade é que as sapatilhas se estavam a portar bem até ali, também ainda não tínhamos apanhado nada de especial na prova, mas na minha cabeça só estava "estás bem, a prova até está a correr bem, imagina estares numa ótima posição aos 30km e teres que fazer o resto a andar porque as sapatilhas fizeram bolhas insuportáveis". Após 40 minutos com este pensamento a surgir de forma premente na cabeça, assim que vi a Inês a filmar, disse-lhe que precisava de trocar de sapatilhas. A partir daí, foi a equipa "técnica" a trabalhar na perfeição. A Inês foi a correr ter com o meu pai que já tinha as Nike prontas para trocar, meteu logo no chão, eu sentei-me, troquei e arranquei. "Perdi" 58 segundos com a troca (está filmado, fica fácil contar) mas, como falei com o meu pai, as sensações eram mais que boas, não seria aquele percalço que faria diferença.

Saí do abastecimento tendo perdido 3 lugares, mas não demorei 1km a voltar ao lugar onde estava antes. Aliás, na altura ia atrás de um atleta que me tinha passado no início da subida, mas assim que voltei a arrancar e comecei a passar quem me tinha passado com a troca, acabei por me aproximar também desse atleta. No final da subida, já seguíamos num grupo de 3, em que eu ia impondo o ritmo a subir e a direito e acabava por perder a liderança do grupo nas zonas mais a descer. Daqui até aos 18km o grupo de 3 foi-se sempre mantendo. 

O grupo "perseguidor" que seguia junto praticamente desde o início da prova 

O ritmo ia muito bom, as minhas boas sensações também e, embora existisse o cansaço normal da prova, já tinha ultrapassado a primeira subida aos 900m e estava prestes a acabar a segunda. A subida anterior e aquela onde estava localizado o abastecimento estavam a deixar marcas nos meus parceiros de grupo e, quando chego ao abastecimento, o meu pai diz-me que o Bruno Coelho, o Vitor Cordeiro e o Nuno Paiva estavam os três pouco à frente. Perguntou-me como estava, eu disse que estava bem e, verdade seja dita, estava mesmo bem! Assim que levantei a cabeça vi o grupo de 3 que o meu pai tinha falado e estava na altura de arriscar. Segui no encalço deles e, até ao topo da subida, fui-me sempre aproximando do grupo, deixando definitivamente para trás o duo que seguia comigo até ali. Terminada a subida, seguíamos por um single track à direita, se não me engano, o trilho do amor. Numa fase inicial acabei por perder o trio da frente de vista, mas assim que o trilho abriu um pouco, consegui chegar-me a eles. Tínhamos 20km de prova e, na minha primeira ultra desde 2019, estava num grupo com 3 referências da modalidade! A prova podia correr pessimamente, mas já ninguém me tiraria aquele momento, estava verdadeiramente feliz! Assim que me juntei a eles pensei em mandar uma piada de quem estava feliz por estar ali com eles, mas como uma prova não serve para fazer piadas, estava na hora de ligar o modo "agressivo" e fazer o que me competia. Segui algum tempo atrás do grupo mas, numa zona mais plana, passei para a frente do Nuno e do Vitor e, pouco depois, passei mesmo para a frente do grupo. Será difícil descrever em palavras aquilo que estava a sentir. Queria estar ali, aquilo era como que um sonho, por não estar à espera de estar tão à frente nesta fase da prova. Felicidade, sentido de dever cumprido, orgulho, tudo de bom me passava pela cabeça até que... O conto de fadas estava a correr lindamente, não estava? Até que entramos numa fase mais técnica da prova - primeiro, a subir uma ribeira, depois, a descer duas ou três - e perdi imediatamente a liderança do grupo. Numa primeira fase, entregue ao Bruno, comigo, o Vitor e o Nuno a seguir de perto, acabamos por aproveitar uma subida bem dura para recuperar 2 lugares na classificação, tendo passado os, na altura, 3º e 4º da geral. O "abanão" do grupo estava dado, a partir dali foi com a faca nos dentes. As subidas eram feitas a bom ritmo (mesmo que tivessem que ser feitas a andar), a direito andava-se bem e a descer era à morte. O Nuno Paiva acabou por perder o contacto com o grupo no abastecimento dos 28km e passámos a ser só 3. Faltava a última grande subida às antenas, a última passagem pelos 900m de altitude. Abordamos a subida num ritmo bastante alto e, quando olho para trás, o Nuno estava mesmo ali atrás. Saímos de um dos single tracks da subida para entrar no estradão, perco o Bruno e o Vitor, não consegui seguir no mesmo ritmo e, num curto espaço de tempo, perco também o Nuno que seguiu para muito perto deles. A partir daqui sabia que a prova teria que ser diferente. Apanhá-los seria sempre impossível (aquele ritmo estava fenomenal) e eu queria só não "morrer" ao ponto de perder demasiado para quem vinha atrás. Não me sentia no meu pior, estava muito longe disso, mas ainda faltavam quase 20km (embora o desnível mais significativo já estivesse feito). Segui no ritmo mais forte que tinha, passo no abastecimento já sozinho e digo ao meu pai que eu estou bem, só não aguentava aquele ritmo. Começo a sentir alguns efeitos de estar há 3h e meia em cima das pernas e começo a pedir sal nos abastecimentos (única crítica à organização: embora fosse óbvio que havia lá sal, por estarem a grelhar carne, ninguém o deu, apesar de ter sido pedido). Ninguém deu e também não queria perder tempo ali, segui viagem. A viagem solitária ia bem, mas encontrar a prova curta acabou por tornar o caminho menos solitário. Nesta fase, toda a gente colaborava (já falamos sobre isso), iam dando apoio e foi com naturalidade que os quilómetros foram passando e cheguei ao abastecimento dos 42km e, também aqui, começaram a aumentar as emoções. Cheguei ao abastecimento, voltei a pedir sal, voltaram a não disponibilizar, mas precisava de tirar o sabor dos geles da boca (já levava +4h a só meter geles e gold drink), precisava de uma mudança de sabor. Aproveitei a sopa que, naturalmente, deveria levar sal, bebi praticamente de um trago e, mais uma vez, meto-me a caminho. Nesta altura, a chuva já fazia companhia há algum tempo (desde a passagem pelas antenas) e ainda bem. A sopa pareceu ter um efeito bastante positivo, arranquei bem apesar de ainda estar numa subida e começo a fazer contas do que faltava para ser "ultra". Sabia que estava bem, sabia que me tinha preparado para este dia, mas queria muito chegar àqueles 45km, e chegar bem. Além disso, sabia que, chegando àquele ponto, me faltaria muito pouco para chegar à meta e, chegar naquele lugar em que estava classificado, era muito melhor do que alguma vez tinha imaginado. Segui "forte", dentro do que o corpo permitia que fosse o forte e, quando finalmente cheguei aos 45km, as emoções voltaram a bombardear os olhos com um vento de fazer qualquer um chorar. De qualquer maneira, agora havia que chegar à meta. Passei nas vinhas que indicam que o final está perto, continuo a correr bem mas, numa das (pequenas) subidas que faltava para fazer a entrada em Portalegre, as pernas começam a ceder. Faço parte da subida a passo, volto a tentar meter um pequeno ritmo de corrida, as pernas deixam e percebo que foi só falso alarme. Vou pedindo ao pessoal das provas mais pequenas para passar, toda a gente se vai afastando, até que chego a um indivíduo que, mesmo após ter pedido mais de 5 vezes para passar, não saía do trilho e impossibilitava completamente a passagem. Como não ia perder tempo ali, queria muito chegar, forcei a passagem e segui caminho. Sei bem que é um caso sem exemplo, mas naquela altura deixou-me chateado saber que ainda há pessoas assim nos nossos trilhos. De qualquer maneira a aproximação a Portalegre fez com que o episódio passasse rapidamente e, quando começo a ver as ruas da cidade, as emoções voltam (muito) fortes. Aperto o que ainda havia para apertar (ritmos entre os 4'30'' e os 5'15'') e começo a ouvir o Hugo Água a anunciar-me! E aí, foi o descontrolo... Estava a chegar à meta dos Reis, uma meta que me diz muito pela quantidade de vezes que já cumpri aquela prova, a chegar num lugar e com um tempo que nem nas minhas melhores previsões estabeleci e, melhor de tudo, junto com algumas das referências, enquanto pessoas e atletas, que esta modalidade me trouxe. A Inês veio imediatamente ter comigo quando me mandei para o chão mas, logo a seguir, veio o Miguel Ribeiro, o Vitor Cordeiro e o Nuno Paiva ver se estava bem. 

Momentos após ter cortado a meta

Se as lágrimas estavam nos olhos, escorreram naquele momento. Escondi-as rápido, porque estava na hora de celebrar! Um beijo na Inês, um abraço ao pai e uma conversa com o Vitor e o Nuno... Não tenho palavras para o descrever, demasiado bom! Ter ali os que andam sempre atrás de mim (falta a mana, que tem falta justificada), preocupados comigo, a rir e a divertirmo-nos, foi perfeito! Ainda correram mais umas lágrimas de felicidade a falar com a Inês, porque era fácil sentir as sensações que me marcavam após 5 horas e 11 minutos de prova, estava tudo à flor da pele! Subir ao pódio nesta prova foi fantástico e agradeço a todos os que estiveram envolvidos, do coração!

Que luxo! 

Em relação à minha prova, como fui dizendo, não podia pedir mais! Andei forte até dar e, quando deixou de dar, consegui manter um ritmo elevado que fez com que não perdesse demasiado para quem tinha seguido à minha frente. A alimentação planeada pelo João Barbosa funcionou de forma perfeita! A minha equipa de apoio esteve mais do que irrepreensível e eu cumpri com tudo aquilo que me propus! Agora resta só treinar e ser ainda melhor porque, como diz o meu pai, não sabemos bem para onde vamos, mas sabemos que estamos no caminho certo! Seguimos!

Relativamente à organização: enormes! Uma prova com um percurso estupendo (eu não gosto dos ribeiros, mas eles fazem parte das montanhas, não há volta dar), duro, técnico mas corrível e uma preocupação enorme com os atletas! Vim cá durante muitos anos, continuarei a vir pelo que a organização nos dá nesta prova e pelo que ela significa para mim! Há a corrigir a tal situação do sal, na minha opinião, mas é só um pormenor! A todos os que trabalharam para que nada nos faltasse, o meu muito obrigado.   

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